O Estado de S.Paulo - 04/04
Dia desses li no jornal Valor Econômico coluna dizendo que o ano de 2015 já começou. Achei graça. Há poucos meses, escrevi artigo intitulado O ano que já acabou, referindo-me, por óbvio, a 2014. Se 2014 já acabou, 2015 já começou e a jornalista do Valor está correta, não é mesmo?
Os economistas críticos da atual política econômica veem a coisa assim: o crescimento caiu, a inflação subiu, as contas públicas pioraram, estamos mais dependentes dos capitais de curto prazo para financiar o rombo nas contas externas e tudo isso terá de ser consertado no ano que vem. Sim, porque antes das eleições é que nada será feito, mas muito será dito.
Recapitulemos os estragos dos últimos três anos e pouco. Represamos preços para diminuir a inflação, e não funcionou. Reduzimos impostos para resgatar a indústria, e não funcionou. Tentamos dar uma guinada nos juros imaginando ser possível alcançar o universo paralelo em que o País teria taxas menores para sempre por simples questão de vontade política, e não deu certo. E nem sequer menciono o desastre da Petrobrás e a tragédia do setor elétrico, que resultaram do voluntarismo populista do atual governo.
Para o consumidor que vai ao supermercado e se defronta com preços mais elevados toda semana, a inflação é mero artifício de retórica neoliberal-de-direita-sei-lá-o-quê ou é fato incontestável? Para as pessoas que não têm o privilégio de morar num bairro nobre de grande centro urbano, a falta de água e de luz é fruto da imaginação liberal-paranoicados-pessimistas ou é o que os impede de tomar banho, lavar louça e preservar a comida na geladeira sem risco de estragar? O que é, afinal, um fato econômico? Seriam tão somente as palavras da presidente e do ministro que vão à TV e aos jornais dizer que está tudo bem, o País sólido, as contas em dia, a inclusão social, as agências de risco que nada sabem, enquanto o bolso nosso de cada dia sente algo de estranho no reino de Dilma?
A inflação está alta, as expectativas não cedem. Cada um tem sua explicação preferida para isso, mas fico com aquela que nasce da definição de preços. Preços são sinalizadores por excelência, marcadores precisos de escassez e abundância. Quando algo é abundante, o preço é baixo. Quando fica escasso, o preço sobe. Se o governo interfere nesse mecanismo, deturpa os sinalizadores e gera consequências desastrosas. O caso da energia elétrica é o mais evidente. A energia está escassa por motivos diversos. Se o governo impede que as tarifas subam para que as pessoas consumam menos energia, o preço deixa de cumprir o papel que lhe cabe, distorcendo demanda e oferta.
A conta não é difícil. Se as tarifas de energia, transportes, combustíveis fossem reajustadas para os níveis compatíveis com a escassez e a abundância relativa, a inflação seria muito maior do que a registrada hoje. Como o populismo tarifário implica um ajuste futuro, faz-se a conta da inflação futura e se embute nas expectativas o custo de arcar com as correções inevitáveis.
Muitos acreditam que essas correções terão de ser feitas no ano que vem, queira o governo empossado - seja lá qual for - ou não. O tamanho do tranco pode variar dependendo da estratégia de cada um, mas os riscos de colapso do sistema elétrico chegaram a tal ponto que algumas medidas serão incontornáveis. São três as opções: soltar os preços e deixar que a inflação suba, selando um compromisso com a sociedade de trazê-la de volta para a meta num horizonte de tempo aceitável; soltar os preços e controlar a subida da inflação com uma alta de juros indigesta, o que talvez fizesse o crescimento cair e o desemprego aumentar; tentar ignorar os fatos, o que provavelmente provocaria uma crise energética no País, com todos os desdobramentos nefandos para crescimento, inflação, desemprego, contas públicas, classificação de risco do País e por aí vai.
O tamanho do tranco em 2015. Esse é o tema de 2014 para aqueles que não sofrem de síndrome de avestruz e que ainda têm alguns princípios macroeconômicos básicos na cabeça. O resto é torcida, não é debate.
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