O Estado de S.Paulo - 04/04
A presidente Dilma Rousseff está arriscada a chegar à eleição com uma inflação maior que a do ano passado, segundo as últimas projeções captadas no mercado pela pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo Banco Central (BC). Em quatro semanas a estimativa para 2014 subiu de 6% para 6,3%. Cinco dias depois deste levantamento, uma nova alta de juros, de 10,75% para 11% ao ano, foi anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. Foi a nona elevação desde abril do ano passado e pelo menos mais uma poderá ocorrer, se os preços continuarem subindo velozmente. O comunicado emitido logo depois da reunião deixa espaço para qualquer possibilidade.
Como de costume, economistas do mercado financeiro confrontaram o texto com os anteriores, num exercício de exegese muito valorizado pelos meios de comunicação. Mas a maior parte do palavrório, como ocorre quase sempre, foi perda de tempo.
A vaguidão do comunicado deixa pelo menos um ponto claro: se o pessoal do comitê evitou uma indicação mais precisa do próximo lance, foi por insegurança. Se as pressões inflacionárias arrefecerem, tanto melhor. Mas seria muito arriscado - esta é a mensagem essencial - apostar nisso neste momento. Esse recado combina muito bem com a piora das projeções na pesquisa Focus, com os últimos números da inflação e, como é óbvio, com as últimas avaliações internas do BC.
Seu presidente, Alexandre Tombini, chamou a atenção, em recente depoimento no Congresso, para a onda de aumentos do custo da alimentação. Segundo ele, caberia à política monetária limitar o impacto desses aumentos. Foi praticamente um anúncio da próxima alta de juros. Pouco depois o relatório trimestral de inflação confirmou a preocupação dos técnicos e dirigentes do BC com a resistência da inflação, com as novas pressões e com a persistência de fatores inflacionários bem conhecidos nos últimos anos, como os desajustes do mercado de trabalho e as limitações do lado da oferta de bens e serviços.
Os últimos números divulgados por várias instituições de pesquisa confirmaram a aceleração da alta de preços, reforçando a expectativa de juros mais altos. Na terça-feira, primeiro dia da reunião do Copom, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou o número final de março do Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S). A alta foi de 0,85%, bem maior que em fevereiro (0,66%). Na terceira quadrissemana de março, a penúltima apuração do mês havia apontado uma variação de 0,83%. Nos 12 meses até o mês passado, o aumento chegou a 6,09%.
O último Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), pesquisado entre 21 de fevereiro e 21 de março, havia confirmado o rápido aumento dos preços agrícolas no atacado (6,16%), depois de uma queda de 0,61% no mês anterior. Mas em fevereiro, apesar dessa queda, o custo da alimentação no varejo havia subido 0,49%. É preciso levar esse detalhe em conta para ter uma visão mais clara do conjunto: inflação no atacado tende a produzir efeitos nos preços ao consumidor, mas preços ao consumidor podem subir mesmo sem pressões do atacado, se outros fatores estiverem presentes. Outro detalhe relevante: nos 12 meses até março, os preços agrícolas subiram 5,77% no atacado, enquanto os industriais aumentaram 8,45%.
O papel de vilão da inflação - personagem muito popular - tem passado de um para outro grupo de preços. Não tem sentido, exceto, talvez, para descrever eventos de curtíssimo prazo, falar de uma inflação dos alimentos, do petróleo, dos transportes ou de qualquer outro componente dos índices. Para entender a alta persistente e geral dos preços é preciso levar em conta fatores de outra natureza, como a combinação de pressões de custos com amplos desequilíbrios entre oferta e demanda. Além disso, quando os aumentos são observados durante longo tempo em cerca de dois terços dos preços, é perda de tempo atribuir a inflação a este ou àquele grupo de produtos. Os dirigentes do BC sabem disso e olham, com certeza, muito além dos preços de alimentos ou de qualquer item.
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