GAZETA DO POVO - PR - 28/02
O contundente desabafo de Joaquim Barbosa após a absolvição de mensaleiros permite prever mais “tardes tristes” para o Supremo
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, mostrou-se profundamente contrariado com o resultado do julgamento dos embargos infringentes dos mensaleiros que tinham sido condenados por formação de quadrilha. A absolvição reduziu as penas totais de oito deles, incluindo os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. A decisão ainda fez Dirceu e Delúbio passarem do regime fechado para o semiaberto. O desabafo do presidente do STF e relator do processo do mensalão é o lamento de alguém que se vê lutando contra forças que considera muito superiores, e é um alerta poderoso à nação brasileira.
O resultado não era inesperado. Em 19 de setembro, após o Supremo ter decidido, também por 6 a 5, aceitar os embargos, a Gazeta do Povo já lembrava em editorial que a composição do plenário havia mudado em favor dos mensaleiros. Afinal, um dos ministros que haviam condenado os réus por formação de quadrilha, Carlos Ayres Britto, tinha se aposentado, enquanto os dois recém-chegados, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, que não tinham participado do julgamento original, já tinham dado indícios de que se posicionariam a favor dos réus – especialmente Barroso que já havia criticado o Supremo pela severidade das penas e feito diversos elogios a José Genoino.
E as críticas de Barbosa se dirigiram exatamente aos dois ministros recém-chegados, com toda a razão. Barroso adotou uma estratégia absolutamente tortuosa para absolver os réus. Alegou que, em 2012, o Supremo só havia sido especialmente duro na definição das penas para impedir que o crime prescrevesse e para garantir regimes de cumprimento de pena mais severos. Por causa dessa “exacerbação nas penas aplicadas de quadrilha ou bando”, nas palavras de Barroso, ele decidiu absolvê-los. Ou seja, Barroso se apoiou mais em um debate sobre a dosimetria que sobre a formação de quadrilha em si.
Ainda pior foi o desempenho de Teori Zavascki, para quem simplesmente não havia quadrilha. “É difícil afirmar que Dirceu e Genoino tivessem se unido a outros agentes com o objetivo e interesse comum de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional ou de lavagem de dinheiro”, disse o ministro, ignorando completamente todas as provas levantadas ao longo de anos de investigação. Por isso é completamente pertinente a indignação de Joaquim Barbosa. “Há dúvidas de que eles se reuniram? De que se associaram? E de que essa associação perdurou por mais três anos? E o que dizer dos crimes que eles praticaram e pelos quais cumprem pena?”, questionou, com toda a razão. Pois negar a existência de quadrilha é negar o próprio mensalão – tanto que o advogado de defesa de Dirceu, José Luís Oliveira Lima, escreveu, em nota, que a absolvição “atinge o coração, o cerne da acusação”. É de se imaginar que, se estivessem no Supremo desde o início do julgamento, em 2012, Barroso e Zavascki teriam absolvido todos os mensaleiros das mais diversas acusações, jogando no lixo a reputação da própria corte e consolidando a imagem do Brasil como o país da impunidade. Por isso se torna cada vez mais importante ressaltar o papel de Barbosa na relatoria do processo. Sem sua persistência em buscar a condenação dos responsáveis por esse atentado à democracia que foi o mensalão, o resultado poderia ter sido bem diferente.
Outros dois personagens ainda são dignos de menção: pelo lado positivo, Celso de Mello, o decano do STF, repetiu o tom duro de reprovação aos mensaleiros e rebateu os críticos do julgamento. “A ‘maior farsa da história política brasileira’ residiu nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente transgressores da ética republicana de delinquentes travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais políticos e partidários, que fraudaram despudoradamente os cidadãos dignos de nosso país”, afirmou. Por outro lado, nunca será demais recordar o triste papel desempenhado por José Antonio Dias Toffoli desde o início do julgamento, quando não se declarou impedido de participar do julgamento, mesmo tendo sido advogado do PT e trabalhado sob José Dirceu na Casa Civil. Sem ele, os réus não teriam tido quatro votos pela absolvição e, portanto, não teriam direito aos embargos infringentes.
Barbosa, em seu desabafo, ainda falou de uma “maioria de circunstância formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso”. É impossível avaliar com certeza absoluta se Barroso e Zavascki foram nomeados para o STF com a missão específica de minorar o estrago à reputação dos petistas e do partido. Mas, ainda que os dois ministros tenham sido guiados por profunda convicção e não por conveniência, seus votos indicam um péssimo grau de discernimento que poderá afetar outros julgamentos importantes no futuro. É o prenúncio de mais tardes tristes para o STF.
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