sexta-feira, fevereiro 28, 2014

Provocações tecnológicas - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 28/02

O salto tecnológico que insere o software nas linhas físicas de produção exige novo rumo para nossa indústria


O carrossel da grande crise continua a girar, pegando a cada volta ora as economias avançadas, ora as emergentes. E assim vem desde 2008 sem que se veja o seu fim.

Mas tem algo mais em movimento e ganhando força com potencial de ruptura ainda maior: o avanço da inovação tecnológica.

Com epicentro nos EUA, a despeito das incertezas sobre a recuperação da economia norte-americana, circundado por esforços na China, na Alemanha e no Japão, países onde a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) pública e privada tem sido razoavelmente blindada de crises conjunturais, o novo ciclo de progresso tecnológico se alicerça na fusão entre o mundo virtual da inteligência do software e as linhas físicas de produção. É algo em processo desde os anos 2000, que agora alcança a sua plenitude.

O que significa? Como expõem Helmuth Ludwig e Eric Spiegel, ambos executivos da Siemens nos EUA, além de pesquisadores, em ensaio na revista "strategy + business", a produção seriada já evolui para uma era de "escolha e flexibilidade" para fabricantes e consumidores, "renovando muitas vantagens da produção artesanal perdidas desde a Revolução Industrial".

O novo ciclo de avanço industrial, chamado de "indústria 4.0", reduz significativamente, dizem, o conflito entre a eficiência da produção em massa e a personalização, graças à integração entre softwares e máquinas de alto desempenho.

Antes que um produto seja construído ou montado nas linhas físicas de produção, tais recursos permitem simulá-lo, modelá-lo e testá-lo quantas vezes for preciso a custo baixo e com resultados rápidos. Até na fase de produção os ajustes podem ser feitos sem parada total do sistema.

A Ford se encontra nesse estágio nos EUA, justo ela, que criou a produção em massa de automóveis, o "fordismo", influenciando o modo de produção em todos os setores industriais. Hoje, monta a caminhonete F-150 em milhares de configurações, de sistemas de transmissão ao motor, da cor à forma da cabine.

O aumento da flexibilidade da produção vem acompanhado de outros saltos evolutivos, como a fabricação de diferentes modelos numa mesma linha de montagem ou em unidades espalhadas pelo mundo. Tal conceito se aplica a veículos e outros artefatos, permitindo a globalização completa da indústria, com controle centralizado ou não. Não é só.

Se a produção em massa recuperou o senso da personalização, em que o cliente diz o que quer e o sistema repassa a ordem em tempo real para as linhas de montagem, o uso crescente da impressão tridimensional (3D) começa a viabilizá-la em níveis cada vez mais reduzidos.

São impressoras tais como as conhecemos. Só que em vez de papel utilizam uma mistura de insumos em pó, metais inclusive, e lasers, reproduzindo em escala exata o que foi programado no computador.

Com elas já se fazem em alta escala (ou um a um) uma variada gama de produtos, de bicos de combustível de motor a jato (caso da GE, que usa uma liga de cobalto e crômio) a próteses ortopédicas.

Tais progressos ainda engatinham no Brasil, lançando preocupação a respeito do desenvolvimento de nossa indústria, cada vez mais dependente de tecnologias de que não dispõe e à mercê de custos com tendência de alta, enquanto nos grandes centros industriais o viés é de baixa.

Máquinas e controles mais eficientes já fazem uma fábrica de automóveis com produção diária de mil veículos, diz o ensaio da "S+B", reduzir o consumo de energia em 70%, quando antes consumia o equivalente a uma cidade de porte médio.

Gasta-se menos energia para produzir, e também se paga menos por ela nos EUA, graças ao avanço da tecnologia que viabilizou o gás e óleo de fontes não convencionais. E o diferencial do baixo custo da mão de obra no mundo emergente? Melhor não contar com isso já no curto prazo. Estudo da consultoria AlixPartners, citado pelo mesmo artigo, estima que China e EUA terão custos de produção equalizados até 2015.

A esse ritmo, não parece provável que moedas depreciadas possam continuar corrigindo diferenças de custo como sempre fizeram. Estão aí desafios de vulto. Vale indagar se o Brasil está preparado não para enfrentar, mas para aproveitar essas tendências. Já será um começo ao menos estarmos cientes de que a indústria tal como a conhecemos está mudando muito rapidamente.

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