segunda-feira, fevereiro 17, 2014

O jeitinho brasileiro - CARLOS PONTES

CORREIO BRAZILIENSE - 17/02

Na década de 1970, o famoso jogador da Seleção Brasileira Gérson, o Canhotinha de Ouro, gravou comercial de uma marca de cigarros, em que ele cunhou a expressão: "Gosto de levar vantagem em tudo", em que exaltava o tal cigarro. A propaganda gerou a expressão Lei de Gérson, em que a pessoa quer obter vantagens a qualquer custo, mesmo que indevidas, sem respeitar os códigos éticos ou morais. De tal forma o conceito de dar-se um jeitinho à moda de Gérson ficou incrustado na mente dos brasileiros que o jogador sentiu seu nome associado a algo pernicioso e permaneceu com esse estigma. Por diversas vezes, ele se lamentou publicamente pelo fato. Mas não adiantou. O conceito do jeitinho já se entranhara no imaginário popular.

A cultura de quebrar um galho, de criar um gato na rede elétrica para não pagar a conta de luz, de estacionar o carro em vagas destinadas a pessoas com deficiência ou idosos, de tomar atitudes politicamente incorretas ou socialmente inaceitáveis, só mudará quando agirmos corretamente mesmo nas pequenas coisas do convívio social. Os delitos devem ter a devida punição, proporcional, é claro, ao grau do delito. Infelizmente, a nossa legislação penal é totalmente defasada, como no caso da maioridade penal, o que faz que os adolescentes de hoje, por causa da impunidade reinante, sejam responsáveis, já se noticia, por 40 % dos crimes. Os adolescentes começam a achar que o errado parece o certo quando picham os muros e os imóveis dos outros e nada lhes acontece. A lei prevê punição para quem danifica o patrimônio público ou privado, mas a regra é o "deixa pra lá", e nunca alguém foi punido por fazer pichação.

Os legisladores e a Justiça estão a anos-luz aquém das exigências da sociedade quando se trata de impunidade. A frouxidão das leis penais gera situações inaceitáveis para a civilização, como o de um menor ser "apreendido" dezenas de vezes pela polícia e ser solto imediatamente. Isso gera o retrabalho, que desmotiva a própria polícia, que se sente enxugando gelo na atuação frente aos criminosos. E a legislação também é nula em casos de reincidência. Em Brasília, vale lembrar o caso da jornalista Christina Velho, cujo marido foi morto atropelado por um menor de 16 anos e hoje, 26 anos depois, os pais não responderam judicialmente pela indenização.

A falta de punição, o hábito de cometer pequenos delitos é tão forte entre nós que um noticiário de tevê tem uma seção intitulada Sem noção, em que os próprios telespectadores enviam vídeos ou fotos captados pelo celular de situações que fogem do bom senso, que comprometem a segurança pública e desafiam os bons costumes.

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, e Gilberto Freyre, em Casa grande e senzala, destacaram, principalmente o primeiro, a figura do brasileiro como o homem cordial. Mas a cordialidade não significa tolerância com o mal. Temos é que usufruir da índole de bom moço descrita por eles de forma generosa, mas sem tolerância com o malfeito e o delito.

Se formos capazes de conciliar a beleza e a riqueza de nossa terra tropical com o nosso jeito de ser acolhedor e hospitaleiro (recusando o quebra galho e o pequeno delito), seremos um povo mais feliz. E aí teremos motivo de nos alegrar com o papa Francisco quando até ele proclama: "O papa é argentino, mas Deus é brasileiro".

 A presidente Dilma e o Congresso Nacional não tiveram a coragem e a honra de encarar as reformas política, tributária, judiciária de que tanto o país necessita. Fica evidenciado que o brasileiro merece uma política com P maiúsculo, em que tenhamos orgulho e não vergonha dos políticos. Só depende de nós na hora de votar. O voto também não pode ser mais um jeitinho. 

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