O GLOBO - 17/02
-Muitos criticaram a postura da imprensa em geral, e do GLOBO em particular, de publicar fatos que tocavam diretamente a Marcelo Freixo
-Não existem homens acima do bem e do mal. Mas, se existissem, nem eles poderiam ganhar imunidade da imprensa
Se há algo a que os jornalistas estão acostumados é a contrariedade que a publicação de fatos negativos sobre pessoas, partidos, artistas, políticos, empresários gera naqueles que os admiram, respeitam e os têm acima do bem e do mal. O fenômeno é diário, e recebido pelo jornal como algo natural.
Essa contrariedade se expressa de diversas formas: cartas, e-mails, telefonemas e comentários em redes sociais. E até mesmo em colunas assinadas publicadas por colaboradores: como o jornalismo deve buscar a expressão livre de opiniões para que o leitor tenha diante de si uma pluralidade de ideias, é normal que colunistas divirjam do próprio jornal em que escrevem.
O episódio em torno do deputado Marcelo Freixo é um exemplo. Muitos criticaram a postura da imprensa em geral, e do GLOBO em particular, de publicar fatos que o tocavam diretamente.
No dia em que foi preso Fábio Raposo, réu confesso de participar diretamente da ação que resultou na morte do cinegrafista Santiago Andrade, Marcelo Mattoso, o estagiário do advogado que defendia o detido, disse duas coisas: a ativista Elisa Sanzi Quadros telefonara para ele e oferecera ajuda jurídica; e que, ao passar o telefone para o próprio advogado, Jonas Tadeu Nunes, este ouvira dela que o homem que atirou o rojão contra o jornalista era ligado ao deputado Marcelo Freixo, do PSOL e que o deputado estaria à disposição de Fábio. Ao telefone, a ativista avisava que estava indo à delegacia junto com outros ativistas para protestar contra a prisão. Tudo isso foi registrado, oficialmente, num termo de declaração prestado pelo estagiário na delegacia.
Logo em seguida, de fato a ativista e alguns colegas foram à delegacia. A primeira parte do termo de declaração, prestado antes de Elisa aparecer na repartição policial, estava confirmada. Um dos ativistas, Yan Carrazoni de Matos, chegou a ser agredido por um dos jornalistas ao dizer a ele e seus colegas que estavam de plantão na delegacia: Tomara que vocês sejam os próximos (os próximos a levar um rojão na cabeça). O que fez a imprensa e O GLOBO em particular?
Ligou para o deputado e relatou o ocorrido. O deputado primeiro disse que não sabia de nada e que só se manifestaria depois de ler o termo de declaração. De posse dele, decidiu gravar uma entrevista para a TV Globo, a primeira a procurá-lo. Na gravação, o deputado decidiu admitir que recebera um telefonema da ativista naquela manhã, solicitando assistência jurídica porque temia que o ativista preso fosse torturado. No telefonema, segundo seu relato, negou assistência jurídica, porque para isso existe a defensoria pública, mas concordou em agir para que torturas não ocorressem.
Por fim, negou ter dito à ativista que o atirador de rojão fosse ligado a ele. E prometeu processar a ativista e o advogado se insistissem nessa afirmação. Mais tarde, revelou que o advogado Jonas Nunes tinha sido o defensor de Natalino Guimarães, um dos líderes das milícias cujos crimes foram denunciados por ele quando presidia a CPI sobre o tema. Insinuou, assim, que o relato do advogado era enviesado.
A ativista, por sua vez, confirmou aos jornalistas que oferecera assistência jurídica e que telefonara para o deputado para pedir ajuda, mas negou ter dito que o atirador do rojão fosse ligado a Freixo. O delegado que cuidava do caso deu entrevista afirmando ter ouvido o telefonema e, por esse motivo, pedido ao estagiário para documentá-lo no termo de declaração.
A imprensa agiu corretamente. De posse de um documento oficial com uma narrativa grave como essa, num momento grave como aquele, ouviu todos: o advogado, a ativista, o deputado e o delegado. Parte do que a ativista disse ao telefone se confirmou: ela de fato compareceu à delegacia para protestar (e um de seus amigos ameaçou os jornalistas) e ela própria admitiu ter telefonado ao estagiário oferecendo ajuda jurídica e reconheceu ter telefonado ao deputado naquela manhã em busca de proteção ao preso contra maus tratos. Depois de dizer que não sabia de nada num primeiro instante, o deputado admitiu ter recebido um telefonema da ativista solicitando ajuda, mas negou envolvimento com o homem que atirara o rojão (desconhecido naquele momento).
O que faz um jornal diante disso? Omite os fatos na presunção de que o deputado Marcelo Freixo é um homem acima do bem e do mal? Mas esses homens, infelizmente, não existem. E, se existissem, nem eles poderiam ganhar da imprensa essa imunidade. O dever da imprensa é jogar luz sobre os fatos, não importando se atingem fulanos ou sicranos.
Confirmado que o telefonema existiu, e parte do seu conteúdo, não cabia ao jornal julgar se o trecho onde não havia coincidência de relatos era ou não verdadeiro (se o homem do rojão era ou não ligado a Freixo). O certo, ali, a obrigação da imprensa, era revelar a discordância e dar espaço igual para que todos a manifestassem. Inclusive destacando a informação de que o advogado Jonas Nunes fora o defensor de um miliciano. Isso foi feito, sem dúvida alguma.
O jornal não disse em momento algum que o deputado Marcelo Freixo era ligado ao homem do rojão, nem de forma alguma induziu seus leitores a acreditarem nessa versão. Seria absurdo e leviano, porque não há prova alguma sobre isso. Mas, certamente, o jornal foi leal com os leitores, publicando, com o destaque merecido, uma notícia, dando amplos espaços para que todos se manifestassem, o deputado principalmente. Agindo assim, foi respeitoso com a família do cinegrafista, interessada em tudo que lhe possa fazer justiça.
O que resta agora? Jogar mais luz no episódio. Acompanhar as investigações policiais, fazer investigações jornalísticas próprias para que, ao fim, a verdade apareça. Seja ela qual for. Jornalistas não são adivinhos: a verdade só aparece quando se expõem os fatos sem preconceitos.
Que essa atitude irrite os que admiram Freixo é absolutamente compreensível. Como dissemos, é um fenômeno cotidiano, e atinge pessoas de todos os matizes, origens, crenças e valores.
E não irrita O GLOBO. Ao contrário, ajuda-o a rever seus procedimentos e verificar se acertou ou errou. Como faz agora.
Essa contrariedade se expressa de diversas formas: cartas, e-mails, telefonemas e comentários em redes sociais. E até mesmo em colunas assinadas publicadas por colaboradores: como o jornalismo deve buscar a expressão livre de opiniões para que o leitor tenha diante de si uma pluralidade de ideias, é normal que colunistas divirjam do próprio jornal em que escrevem.
O episódio em torno do deputado Marcelo Freixo é um exemplo. Muitos criticaram a postura da imprensa em geral, e do GLOBO em particular, de publicar fatos que o tocavam diretamente.
No dia em que foi preso Fábio Raposo, réu confesso de participar diretamente da ação que resultou na morte do cinegrafista Santiago Andrade, Marcelo Mattoso, o estagiário do advogado que defendia o detido, disse duas coisas: a ativista Elisa Sanzi Quadros telefonara para ele e oferecera ajuda jurídica; e que, ao passar o telefone para o próprio advogado, Jonas Tadeu Nunes, este ouvira dela que o homem que atirou o rojão contra o jornalista era ligado ao deputado Marcelo Freixo, do PSOL e que o deputado estaria à disposição de Fábio. Ao telefone, a ativista avisava que estava indo à delegacia junto com outros ativistas para protestar contra a prisão. Tudo isso foi registrado, oficialmente, num termo de declaração prestado pelo estagiário na delegacia.
Logo em seguida, de fato a ativista e alguns colegas foram à delegacia. A primeira parte do termo de declaração, prestado antes de Elisa aparecer na repartição policial, estava confirmada. Um dos ativistas, Yan Carrazoni de Matos, chegou a ser agredido por um dos jornalistas ao dizer a ele e seus colegas que estavam de plantão na delegacia: Tomara que vocês sejam os próximos (os próximos a levar um rojão na cabeça). O que fez a imprensa e O GLOBO em particular?
Ligou para o deputado e relatou o ocorrido. O deputado primeiro disse que não sabia de nada e que só se manifestaria depois de ler o termo de declaração. De posse dele, decidiu gravar uma entrevista para a TV Globo, a primeira a procurá-lo. Na gravação, o deputado decidiu admitir que recebera um telefonema da ativista naquela manhã, solicitando assistência jurídica porque temia que o ativista preso fosse torturado. No telefonema, segundo seu relato, negou assistência jurídica, porque para isso existe a defensoria pública, mas concordou em agir para que torturas não ocorressem.
Por fim, negou ter dito à ativista que o atirador de rojão fosse ligado a ele. E prometeu processar a ativista e o advogado se insistissem nessa afirmação. Mais tarde, revelou que o advogado Jonas Nunes tinha sido o defensor de Natalino Guimarães, um dos líderes das milícias cujos crimes foram denunciados por ele quando presidia a CPI sobre o tema. Insinuou, assim, que o relato do advogado era enviesado.
A ativista, por sua vez, confirmou aos jornalistas que oferecera assistência jurídica e que telefonara para o deputado para pedir ajuda, mas negou ter dito que o atirador do rojão fosse ligado a Freixo. O delegado que cuidava do caso deu entrevista afirmando ter ouvido o telefonema e, por esse motivo, pedido ao estagiário para documentá-lo no termo de declaração.
A imprensa agiu corretamente. De posse de um documento oficial com uma narrativa grave como essa, num momento grave como aquele, ouviu todos: o advogado, a ativista, o deputado e o delegado. Parte do que a ativista disse ao telefone se confirmou: ela de fato compareceu à delegacia para protestar (e um de seus amigos ameaçou os jornalistas) e ela própria admitiu ter telefonado ao estagiário oferecendo ajuda jurídica e reconheceu ter telefonado ao deputado naquela manhã em busca de proteção ao preso contra maus tratos. Depois de dizer que não sabia de nada num primeiro instante, o deputado admitiu ter recebido um telefonema da ativista solicitando ajuda, mas negou envolvimento com o homem que atirara o rojão (desconhecido naquele momento).
O que faz um jornal diante disso? Omite os fatos na presunção de que o deputado Marcelo Freixo é um homem acima do bem e do mal? Mas esses homens, infelizmente, não existem. E, se existissem, nem eles poderiam ganhar da imprensa essa imunidade. O dever da imprensa é jogar luz sobre os fatos, não importando se atingem fulanos ou sicranos.
Confirmado que o telefonema existiu, e parte do seu conteúdo, não cabia ao jornal julgar se o trecho onde não havia coincidência de relatos era ou não verdadeiro (se o homem do rojão era ou não ligado a Freixo). O certo, ali, a obrigação da imprensa, era revelar a discordância e dar espaço igual para que todos a manifestassem. Inclusive destacando a informação de que o advogado Jonas Nunes fora o defensor de um miliciano. Isso foi feito, sem dúvida alguma.
O jornal não disse em momento algum que o deputado Marcelo Freixo era ligado ao homem do rojão, nem de forma alguma induziu seus leitores a acreditarem nessa versão. Seria absurdo e leviano, porque não há prova alguma sobre isso. Mas, certamente, o jornal foi leal com os leitores, publicando, com o destaque merecido, uma notícia, dando amplos espaços para que todos se manifestassem, o deputado principalmente. Agindo assim, foi respeitoso com a família do cinegrafista, interessada em tudo que lhe possa fazer justiça.
O que resta agora? Jogar mais luz no episódio. Acompanhar as investigações policiais, fazer investigações jornalísticas próprias para que, ao fim, a verdade apareça. Seja ela qual for. Jornalistas não são adivinhos: a verdade só aparece quando se expõem os fatos sem preconceitos.
Que essa atitude irrite os que admiram Freixo é absolutamente compreensível. Como dissemos, é um fenômeno cotidiano, e atinge pessoas de todos os matizes, origens, crenças e valores.
E não irrita O GLOBO. Ao contrário, ajuda-o a rever seus procedimentos e verificar se acertou ou errou. Como faz agora.
Um comentário:
Felicito a O Globo por informar corretamente um fato que atingiu a todos os homens de bem, não só à família do jornalista assassinado. Os políticos, de um modo geral, não gostam que revelem as verdades sobre eles (Ver petistas do caso mensalão). Como foi dito, não há ninguém acima do bem e do mal. Prossigam as investigações, que a verdade vitrá à tona
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