ZERO HORA - 10/02
A insensibilidade do governo federal com as tentativas de solução para as dívidas públicas desafia Estados e municípios a uma nova mobilização. O recuo do Palácio do Planalto, na semana passada, em meio ao debate do projeto que propunha uma fórmula alternativa para correção das dívidas, é o obstáculo a ser vencido por uma reação vigorosa. Gaúchos e catarinenses, em especial, devem contar o apoio de lideranças estaduais, além dos gestores das demais unidades da federação, para que se reverta a ameaça de engavetamento da proposta. A União, que chegou a articular a discussão das alternativas e concordou com sua provação pela Câmara, acabou provocando um impasse ao agir e impedir a votação do projeto pelo Senado. A frustração não é apenas dos diretamente envolvidos. É também dos cidadãos que esperam ver administrações estaduais e municipais desafogadas de encargos impagáveis.
Argumenta a área econômica do governo que, após uma reavaliação do tema, é preferível deixar tudo como está. Isso quer dizer que, num ambiente em que se esforça para reduzir juros, o próprio governo pretende continuar impondo altos custos financeiros a Estados e municípios. Quanto mais pagam, mais devem. O atual modelo, em que as parcelas a pagar à União são corrigidas pelo IGP-DI mais juros de até 9% ao ano, torna impossível a quitação das dívidas. Os administradores perdem qualquer possibilidade de executar projetos de longo prazo.
Mudar a fórmula, com a adoção do IPCA ou da Selic _ o que for menor no período de um ano _, significa bem mais do que simplesmente substituir um índice pelo outro. A mudança poderá retirar os entes federados do imobilismo provocado pelo peso das dívidas. A União pode argumentar que a federalização do endividamento dos Estados, no final dos anos 90, estabeleceu regras que devem ser respeitadas, em nome da austeridade fiscal. É um pretexto que pode ser apenas parcialmente aceito. União, Estados e municípios têm de fato a obrigação legal de perseguir o equilíbrio entre o que arrecadam e o que gastam. Mas não há nenhuma comprovação de que o governo central tenha a virtude de gerir melhor os recursos públicos.
O argumento do rigor fiscal, um aspecto decisivo para que o país seja bem avaliado pelas agências de risco, não se sustenta, se utilizar como exemplo a postura da União. E Estados e municípios, que já se submetem às normas da responsabilidade fiscal, não podem ser julgados, por antecipação, por uma suspeita de que cometerão desmandos financeiros, a partir do momento em que dispuserem de mais recursos.
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que dependem da aprovação da proposta para que possam levar adiante seus projetos e não sejam meros pagadores de folhas de pessoal e de fornecedores, têm autoridade para pedir a retomada do debate do novo indexador. Na semana passada, quando o Senado chegou a esboçar a possibilidade de aprovação do projeto, os governadores Tarso Genro e Raimundo Colombo estavam em Brasília, ao lado do colega alagoano Teotônio Vilela. Infelizmente, não conseguiram vencer a pressão comandada pelo ministro Guido Mantega, que convenceu parte da base aliada a desistir da mudança, numa atitude incoerente com o fato de que o próprio governo patrocinara as bases do projeto aprovado pela Câmara.
Pelo esforço na tentativa de ver as dívidas reestruturadas, as lideranças políticas gaúchas e catarinenses podem requerer o apoio de entidades dos seus Estados à empreitada de sensibilizar o Planalto. O garrote imposto hoje, na fórmula que se mantém, não ameaça apenas o último ano dos atuais administradores estaduais e os próximos quatro anos dos que forem eleitos em outubro. O fracasso de uma nova investida para convencer Brasília significará que todos, sem autonomia financeira, continuarão dependentes das concessões do governo central e que o sistema federativo estará irremediavelmente comprometido.
Reverter as piores expectativas criadas depois do recuo da semana passada e fazer com que o governo federal retorne ao debate são tarefas que independem de alinhamentos partidários. O atual modelo de correção das dívidas é anacrônico, cruel e estimulador de desigualdades. O Senado precisa recolocar o projeto em pauta, para que o endividamento dos Estados não se perpetue entre os problemas que o país se nega a resolver.
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