GAZETA DO POVO - PR - 10/02
Graças à médica cubana Ramona Matos, foi possível comprovar com documentos o que todos já consideravam certo
Quando Cuba resolveu exportar médicos para a Venezuela, milhares deles aproveitaram a chance e fugiram para os Estados Unidos. Assim que o governo brasileiro admitiu que havia enganado a população e confirmou a vinda de médicos cubanos para o Brasil (medida que havia sido “descartada” em julho do ano passado), já houve quem antecipasse que, aqui, eles também tentariam escapar. Pouco mais de cinco meses depois da chegada dos primeiros profissionais, surge a primeira fugitiva: Ramona Matos Rodríguez, que atuava no Pará, encontrou refúgio no gabinete da liderança do Democratas na Câmara dos Deputados. Ela fugiu ao verificar que recebia muito menos que seus pares de outras nacionalidades que integram o programa Mais Médicos – Ramona recebia US$ 400, menos de 10% do salário-padrão do programa, de R$ 10 mil.
Desde agosto de 2013 já se apontavam inúmeros problemas nesta parceria do governo brasileiro com Cuba, em uma violação clara de nossas leis trabalhistas. Os médicos cubanos eram os únicos que não ganhavam o salário diretamente: seu contrato exigia uma triangulação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que receberia o dinheiro do Brasil e repassaria apenas parte dele aos médicos – além dos US$ 400 pagos ao profissional, outros US$ 600 seriam depositados em uma conta cubana que o médico poderia supostamente sacar quando voltasse a seu país. Do restante do dinheiro, nem sinal. Graças às informações de Ramona, surgiu o nome de outra entidade, a Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos – um nome apropriado, já que a ditadura vende os serviços de seus profissionais e embolsa parte do dinheiro. Essa “sociedade mercantil” era desconhecida até a fuga de Ramona: urge investigar sua natureza e descobrir quem está por trás dela.
A denúncia de Ramona levou o Ministério Público do Trabalho a dar mais atenção ao caso dos médicos cubanos. O procurador Sebastião Caixeta já disse que Ramona tem, sim, direito aos R$ 36 mil que pede pelo tempo de trabalho não pago a ela. Graças à médica, o MPT finalmente teve acesso ao contrato de trabalho dos cubanos, que o governo escondia sob absurdas cláusulas de confidencialidade. “Todos foram recrutados para o que seria um curso de pós-graduação e especialização nas modalidades ensino, pesquisa e extensão. E não é isso que nós vimos. Há uma relação de trabalho e o que eles recebem é salário e não uma bolsa”, disse Caixeta ao jornal O Globo.
O procurador, que se encontrará hoje com Ramona, ainda acrescentou: “Mesmo recebendo entre 25% a 40% já seria uma distorção, uma discriminação que não é aceita pelo ordenamento jurídico nacional. E nem pela Constituição e tratados internacionais. (...) O tratamento que os cubanos estão recebendo viola o Código de Práticas para Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde, que é da Organização Mundial da Saúde”. Convenhamos: dadas todas as informações e reportagens publicadas sobre a atuação dos cubanos, já era evidente desde o início que eles não estavam aqui para fazer cursos, mas para trabalhar como qualquer outro médico. O surgimento do contrato é apenas a prova irrefutável do que todos já sabiam: havia muita coisa errada na vinda dos médicos cubanos.
Ramona ainda explicou outras restrições que só se aplicam aos médicos cubanos: ao contrário dos profissionais de outros países, os cubanos não podem trazer a família (Ramona tem uma filha, também médica, em Cuba) e, se querem visitar alguma outra cidade, precisam avisar um “supervisor”. Com o direito de ir e vir cerceado e suas famílias mantidas praticamente como reféns em Cuba, os médicos se encontram em uma situação de quase coação no Brasil. Ramona decidiu quebrar essa dinâmica.
A médica não se contentou em pedir asilo ao Brasil: fez o mesmo pedido aos Estados Unidos, que têm um programa específico para médicos cubanos desde 2006. Foi a decisão mais inteligente. Afinal, há precedentes para que cubanos não confiem no governo petista. Em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara fugiram durante os Jogos Pan-Americanos, no Rio. Foram caçados, encontrados e devolvidos a Fidel Castro. E, em agosto do ano passado, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse explicitamente o que aconteceria a médicos cubanos que resolvessem pedir asilo no Brasil: “Nesse caso me parece que não teriam direito a essa pretensão. Provavelmente seriam devolvidos”. Ramona ouviu de uma amiga que a Polícia Federal já esteve na cidade onde a médica trabalhava, no Pará, para saber do seu paradeiro. Que o Brasil não dê a ela o mesmo fim que deu a Rigondeaux e Lara.
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