VALOR ECONÔMICO -22/01
Uma das conquistas macroeconômicas do Brasil na última década e meia foi ter aumentado a eficácia da política monetária. À medida que ficou claro o compromisso das autoridades com a desinflação, menor se tornou o esforço do Banco Central (BC) para conter reajustes de preços e colocar o IPCA na meta ou próximo dela.
A má notícia é que isso não está ocorrendo no atual ciclo de aperto monetário, iniciado em abril do ano passado. Desde então, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) de 7,25% para 10,50% ao ano e, mesmo assim, já considerada a defasagem dos efeitos do aperto sobre a atividade econômica, estimada em algo entre seis e nove meses, a inflação não cedeu.
Na verdade, nas últimas semanas o IPCA acelerou. O resultado de dezembro (0,92%) surpreendeu negativamente e as primeiras prévias de janeiro confirmam aceleração de preços. O IPC-Fipe registrou alta de 0,83% na segunda quadrissemana de janeiro e o IPC-S, da Fundação Getúlio Vargas, avanço de 0,85% na segunda prévia do mês.
Quando o Copom iniciou o ciclo de alta da Selic, em abril, o IPCA em 12 meses acumulava variação de 6,49%. Nos meses seguintes, o índice subiu, estourou o limite superior do intervalo de tolerância em junho - 6,70% -, recuou nos meses seguintes, mas aumentou em seguida, fechando o ano em 5,91%. Decorridos, portanto, nove meses, a inflação, em vez de cair, voltou a subir.
Não foi sempre assim. Uma análise dos últimos cinco ciclos de aperto monetário mostra que a eficácia da política de juros aumentou ao longo do tempo (ver gráfico). Os ciclos se tornaram menores em duração e intensidade.
No primeiro ciclo, o Copom começou a aumentar a Selic em outubro de 2002, num ambiente de grande turbulência. Os mercados reagiam exasperados à possibilidade de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição e, por isso, a taxa de câmbio sofreu forte desvalorização, o país esteve à beira de dar um calote na dívida e o IPCA foi a 12,53% nos 12 meses concluídos em dezembro.
Naquele ciclo, o juro saiu de 18% em setembro de 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e foi a 26,50% em plena gestão Lula. Foi o que se pode chamar de choque de juros. E deu certo. Depois de chegar a 17,24% nos 12 meses até maio, a inflação recuou nos meses seguintes, caindo a 5,15% em maio de 2004.
Na sequência, o IPCA voltou a acelerar, o que levou o BC a iniciar, em setembro de 2004, novo ciclo de alta da Selic. Desta vez, o processo foi mais longo que o anterior, embora menos intenso - a elevação limitou-se a 3,75 pontos percentuais.
Mais uma vez, o ciclo funcionou. A inflação, observada nove meses à frente, recuou. O ciclo foi o mais bem-sucedido: o IPCA terminou 2006 no menor patamar do regime de metas (3,14%) e no segundo menor desde o lançamento do Plano Real, em 1994.
O BC foi criticado por derrubar a inflação abaixo da meta (4,5%). É bom lembrar, entretanto, que isso foi feito sem perda dramática de atividade econômica. Depois de variar 5,71% em 2004, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 3,16% em 2005 e 3,96% em 2006. Em 2007, cresceu 6,09% e a inflação ficou na meta (4,46%).
No início de 2008, porém, o IPCA voltou a acelerar, pressionado pelos preços das commodities e pelo crescimento da economia acima do potencial. Em abril, o Copom iniciou novo aperto monetário, que durou pouco porque, em setembro, eclodiu a fase mais aguda da crise mundial, com a quebra do banco Lehman Brothers.
O BC mostrou que estava certo. Mesmo com a crise, que paralisou a atividade no último trimestre, o IPCA de 2008 chegou a 5,90%. No ano seguinte, o país passou por uma recessão e a inflação ficou um pouco abaixo da meta (4,31%). Diante de fortes estímulos fiscais, a economia saiu rapidamente da crise, acelerou o passo do crescimento e a inflação voltou a ficar pressionada, obrigando o Copom a iniciar novo ciclo de alta dos juros.
Aquele ciclo foi interrompido na segunda metade de 2010 - claramente, por causa da eleição -, em meio à ocorrência de choques de oferta que, assim como o crescimento acima do potencial, pressionavam os preços. O ciclo foi reiniciado já na gestão Dilma Rousseff e interrompido em agosto, sob a justificativa do recrudescimento da crise na Europa.
Com exceção do atual, em todos os ciclos os juros subiram, a atividade recuou e a inflação caiu. No atual, os juros aumentaram, o produto, que já vinha andando de lado, continuou recuando, mas a carestia não diminuiu.
Há várias explicações para a resistência inflacionária neste momento. Uma delas é que, nos ciclos de aperto monetário anteriores, o esforço do BC foi acompanhado por uma política fiscal contracionista, que ajudou a diminuir a demanda agregada. Não é o caso agora, o que torna desafiadora a tarefa do Copom.
Há dois anos, o governo Dilma implantou deliberadamente uma política fiscal expansionista e não pretende abrir mão dela. O resultado é este: o BC eleva os juros, piora o resultado fiscal por causa do aumento da despesa do governo com o serviço da dívida e, mesmo com o PIB rodando baixo, não consegue segurar o IPCA. O juro real (descontada a inflação) já está em 4,67% ao ano, quase três vezes o patamar de nove meses atrás, quando o Copom decidiu iniciar o atual ciclo de aperto monetário, que, nessas circunstâncias, pode vir a ser o mais severo desde 2002.
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