O GLOBO - 11/11
Ao achatar os preços praticados em vários mercados sob seu controle, o governo envolveu-se numa armadilha. Lembra dramático processo semelhante em curso na Argentina.
Quando se olha a evolução recente do IPCA, índice oficial de inflação, o impacto dessa política tem sido expressivo. Com a inflação acumulada em 12 meses atingindo 5,8% em outubro, a taxa relativa aos preços administrados até esse mês foi de apenas 1% ao ano. Sem intervenção, o teto do intervalo de metas, de 6,5% ao ano, provavelmente já teria estourado. Vitória de Pirro, pois uma hora a velha "inflação corretiva" vai aparecer. Para atenuá-la, o Banco Central terá de contar com queda no valor do dólar ou promover nova subida da taxa de juros.
Outro problema é que a fatura a ser paga nas contas públicas já chegou. Paira uma onda de pessimismo sobre a situação fiscal do país, em grande parte devido ao forte impacto das desonerações tributárias na arrecadação, o que se fez, em boa medida, para viabilizar o achatamento de certos preços.
O quadro externo desfavorável impedirá a apreciação da taxa de câmbio, e a elevação dos juros será penosa para um governo que elegeu o fácil acesso ao financiamento como um dos pontos salientes de sua política macroeconômica.
A proximidade do ano eleitoral acentua o tamanho da enrascada. O governo tentará evitar tudo que signifique mais inflação, maior taxa de juros, fuga de capitais e a conseqüente depreciação da moeda, e assim por diante. Eleger-se a qualquer custo implica agradar a todos.
Finalmente, há os impactos desfavoráveis sobre a evolução dos setores afetados pelo achatamento de preços e o que resulta para a economia como um todo. Entre os segmentos onde a pressão tem sido particularmente prejudicial destacam-se os de energia elétrica e petróleo. O correto seria que os preços refletissem o respectivo custo de oportunidade, e não um valor arbitrário abaixo dele.
Na geração de energia elétrica, a busca exagerada de tarifa acessível a todos - modicidade - leva à expansão do consumo além do ponto ótimo e, por conseqüência, à necessidade de acionar usinas com custo operacional mais oneroso para atender ao aumento do consumo. Na melhor hipótese, o regulador fixa uma tarifa que nem sempre contempla a adequada remuneração do capital investido, calculando uma média entre as usinas mais e as menos custosas.
A tarifa tende a se situar abaixo do custo marginal (da última térmica a ser "despachada" para não faltar energia, normalmente a mais cara). Esse é o custo de oportunidade que deveria prevalecer na fixação de preços, pois proporcionaria o aumento dos investimentos no setor, com redução das tarifas a médio e longo prazo.
No fundo, ao comprimir as tarifas o governo cria uma abundância artificial para os consumidores, quando o dado real é a escassez ditada pelo custo da última usina acionada, com um custo do kilowatt acima da tarifa achatada. Nesses termos, a energia vale menos para o consumidor do que ela custa para a sociedade. Não é por outro motivo que as luzes de muitos prédios da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, conforme a TV Globo denunciou na semana passada, ficam acesas de noite, quando os funcionários, cansados de um duro dia de trabalho, já se recolheram aos seus lares. A luz é barata...
Se o preço fosse o correto, cairia o consumo e os recursos seriam redirecionados para onde seu uso fosse mais eficiente. Se o problema é proteger as camadas mais pobres da população, isso se resolve com subsídios públicos específicos e transparentes e não com achatamento tarifário.
Em petróleo, o custo de oportunidade é, basicamente, o preço internacional dessa commodity, convertido em reais à taxa de câmbio em vigor.
Com preços internos abaixo desse indicador, a Petrobras tende a operar com menores lucros na parte relativa à produção interna, e certamente no vermelho no caso do petróleo importado. A conta pode ser paga diretamente pelo governo ou, como vem ocorrendo, pela empresa, com prejuízo para acionistas minoritários. Em qualquer caso, recursos são transferidos aos consumidores internos em detrimento das outras partes. Além disso, preços achatados implicam maior consumo interno de combustíveis, maior uso da combalida infraestrutura, mais poluição etc, reduzindo a produtividade total da economia e impondo custos generalizados. Sem falar que a Petrobras terá menos recursos para investir na expansão do parque petrolífero, gerando menos recursos adicionais para seus sócios e para a União.
Na energia elétrica, como nos pedágios e nos leilões de aeroportos, prevalece infelizmente a visão equivocada de modicidade tarifária a qualquer custo. Já no petróleo, a Petrobras acaba de anunciar, supostamente com aprovação do Planalto, nova metodologia de precificação, que prevê reajuste automático dos derivados em periodicidade a ser ainda definida, com base no preço externo de referência e na taxa de câmbio, e ponderação associada à origem do derivado vendido, se refinado no Brasil ou importado. Se assim for, parabéns presidente!
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