O Estado de S.Paulo - 11/11
Na tentativa de responder às críticas à sua política fiscal, mais intensas à medida que são conhecidos os números comprovando a contínua e cada vez mais rápida deterioração da situação das contas públicas, o governo vem demonstrando notável capacidade de fornecer mais argumentos aos críticos.
Resultados recentes mostram claramente a persistência de dificuldades para equilibrar suas contas. Entre janeiro e setembro deste ano, por exemplo, suas despesas totais tiveram um aumento real de 7,2%, na comparação com o mesmo período do ano passado, muito maior do que a expansão da receita líquida, de 2,2%.
Mas números como esses - que apontam para o surgimento de problemas fiscais graves, caso sua tendência se mantenha - não parecem preocupar o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Mesmo diante dos péssimos resultados acumulados nos nove primeiros meses do ano, quando o superávit primário, necessário para o pagamento dos custos da dívida pública, foi 49% menor do que o de 2012, o ministro garantiu que tudo está sob controle e que problemas, se existem, são localizados.
Mantega voltou a afirmar, como fizera também o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que o governo federal cumprirá sua parte na obtenção do superávit primário para este ano (que em junho foi reduzido de 3,1% para 2,3% do PIB), o que corresponde a R$ 73 bilhões. Pode até ser que isso ocorra. Mas, considerando-se que, até setembro, o superávit primário ficou em R$ 27,9 bilhões, está claro que, nos três últimos meses do ano, o governo terá de multiplicar por 2,6 tudo o que fez nos nove primeiros. Para Mantega, no entanto, os resultados de outubro (a serem conhecidos no fim deste mês) serão melhores e continuarão a melhorar até o fim do ano e ao longo de 2014.
Também para a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, a situação continua normal na área fiscal. Há dias, ela afirmou que a política fiscal em 2014 "já está dada" - ou seja, nada vai mudar. Recordou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014 definiu a meta do superávit primário em 3,1% do PIB para todo o setor público (igual à originalmente fixada para 2013, mas que depois foi reduzida). Dessa meta, o governo poderá abater até R$ 67 bilhões, mas, de acordo com o projeto de lei do Orçamento para 2014, pretende cortar R$ 58 bilhões, o que a reduziria para 2% do PIB.
Ao tentar demonstrar, só com palavras, a normalidade de uma situação vista como preocupante até por economistas que até há pouco vinham dando forte e irrestrito apoio às suas iniciativas - entre os quais o ex-ministro Delfim Netto -, o governo procura justificar sua postura, de nada fazer nesse campo. Ou seja, reafirma que não haverá mudanças relevantes nos próximos meses. Agindo desse modo, no entanto, acaba por instilar mais desconfiança naqueles que já desconfiavam. Consegue piorar o que não ia bem.
Também com o que efetivamente fez e continua a fazer na área fiscal, o governo só consegue alimentar o pessimismo. Insiste em medidas que podem produzir resultados melhores, mas de curta duração. Como se observou, reduziu a meta do superávit primário, o que não é ilegal, mas mostra suas dificuldades para manter o aumento dos gastos pelo menos no ritmo do crescimento da receita.
Nem reduzida, porém, a meta poderia ser alcançada sem o recurso a outros mecanismos criativos, a que o governo acabou recorrendo. Entre eles está a apropriação antecipada de dividendos de empresas estatais e até a extensão dos benefícios na renegociação de dívidas tributárias a bancos e a empresas multinacionais, que não estavam incluídos entre os que poderiam aderir ao chamado Refis da Crise. Lembre-se que o próprio Refis da Crise foi reaberto, com a extensão do prazo para os interessados aderirem a ele. Trata-se de um benefício que, sistematicamente, a Receita Federal tem criticado, com sólidos argumentos técnicos, porque prejudica os contribuintes que pagam em dia os tributos devidos, desautoriza as ações da fiscalização e de cobrança judicial das dívidas e estimula o atraso de pagamentos, pois gera a expectativa de que novos programas desse tipo serão aprovados no futuro. Desta vez, no entanto, o governo reabriu e ampliou o Refis porque espera o recolhimento imediato de algo entre R$ 7 bilhões e R$ 12 bilhões, o que aliviará a pressão fiscal imediata.
Igualmente a pressa na realização do leilão do campo de pré-sal de Libra deveu-se menos à política de energia do governo do que à premente necessidade de fazer caixa, pois o consórcio vencedor terá de recolher o bônus de R$ 15 bilhões antes do fim do ano.
Com medidas desse tipo, o governo tenta compensar as perdas de arrecadação em que incorreu com as desonerações concedidas nos últimos anos, sob a justificativa de estimular a produção e o emprego em setores vitais da economia afetados pela crise internacional. Os resultados do ponto de vista da atividade econômica e dos investimentos são pouco perceptíveis, mas o efeito dessas medidas sobre a receita do governo foi muito forte.
O crescimento real, em 12 meses, da receita tributária até julho de 2011 tinha sido de 13,8%, mas nos 12 meses até abril de 2013 o resultado foi uma queda real de 0,1%, calcula o economista Raul Velloso. A própria Receita Federal estima que, em 2013, as desonerações resultarão em queda de arrecadação de R$ 13,4 bilhões, valor que subirá para R$ 27,7 bilhões em 2014 e ficará em R$ 23,8 bilhões em 2015.
O governo considera prioritários os programas sociais, o que é perfeitamente justificável num país com tantas desigualdades como o Brasil. Mas é preciso que a preservação dos gastos sociais, num momento de redução do crescimento das receitas, seja compensada por medidas de restrição em outras áreas.
Há quem considere que o superávit primário não precisa ser tão alto. Mas é preciso que, ao reduzi-lo, o governo o faça com clareza - e mostre que tem disposição e meios para alcançá-lo. De outro modo, só gerará mais desconfiança.
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