FOLHA DE SP - 29/11
Buci, digo, Cleide chegou para me bombardear com um arsenal de perguntas sobre uma tal família Perrella
Desta vez o choque foi quase insuperável. Eu ainda estava acabrunhada e perguntando a mim mesma o que poderia ter dado errado, quando minha tresloucada amiga Bucicleide surgiu do nada, aparentemente para injetar ânimo em minhas veias.
"Não é possível, Buci, digo, Cleide, não entendo", desabafei. "O que é que Dubai tem que São Paulo não tem?" Não me conformo. Como pode a locomotiva do Brasil, exemplo de cidade de gente que faz e, quando não quer fazer, tem quem faça por ela, ter perdido para uma aldeia de adestradores de camelos, comedores de tâmaras, trepadores em miragens de palmeiras na competição para sediar a Expo 2020?
Dubai não fica lá na região da novela "O Clone"? Pois então. Vá ver se naquele fim de mundo tem piscinão, vá examinar se chove e escoa como aqui, se eles possuem 300 km de corredores de ônibus para ornar as avenidas, se tem prefeito boneco Ken ou ruas com lindas guaritas, se produzem o tanto de lixo por recolher que a gente vê em nossas calçadas, vá! Só quem gera riqueza produz lixo, sabia não, seu bando de desinteligentes que votou com a bunda em vez do cérebro?
Eliminar nossa potência logo na primeira rodada com apenas 13 votos de 163 possíveis para dar a vitória a uma tribo de nômades fazedores de xixi na areia é treta. Está na cara que tem harabishueba nesse negócio.
Bucicleide, que estava esperando meu desabafo chegar ao término com paciência de cuidador de pessoas idosas, soltou um suspiro tão dolorido que forçou um ponto final em minha fala. "Olha só, dona Barbarica, não é sobre isso que vim ter", anunciou. "Ah, não? Então do que estamos tratando?"
Buci mandou na bucha: "Quero arrumar um jeito de filar a bóia lá na fazenda dos Perrella, você que é jornalista e conhece todo mundo, não teria um contato bom para me apresentar, não?"
E quem seriam "os Perrella"? Deveria ter desconfiado da compaixão daquele ouvido amigo. Eterna interesseira, Bu (sim, Bu) foi tratando de explicar. "Fiz uns cálculos e cheguei à conclusão de que os 445 kg de cocaína apreendidos no helicóptero da empresa do deputado Gustavo Perrella (SDD-MG), devem valer 50 milhões no mercado".
Sei. E daí? "Daí que o piloto do helicóptero dos Perrella recebe R$ 1.700,00 ao mês. E o advogado do parlamentar disse que o funcionário estaria fazendo bico' naquele dia, sabia?" Não. "Pois é, mas piloto de helicóptero não ganha perto de R$ 15 mil?" E eu lá sei? Não sou piloto, ora bolas!
Senti uma mudança no tom de voz. "Ah, é? Então me diga: por que a PF não informou a quem pertence a fazenda em que o helicóptero pousou para descarregar a mercadoria? Qual o padrão de vida de um piloto de helicóptero que transporta carga ilícita avaliada em R$ 50 milhões? Por que não foi divulgado o resultado da quebra do sigilo telefônico do deputado Gustavo Perrella, 28, ou de seu pai, o senador Zezé Perrella (PDT-MG), que já foi acusado de enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e evasão de divisas? Sabemos se há registro de conversas com o piloto?"
Nossa Bucicleide, você não tem mais o que fazer? Mas, em vez dizer isso em alto e bom tom, acabei perguntando: "Por que você quer ir filar a bóia na casa dessa gente, me explica?" Buci fez cara de pau de espanta cupim e revelou enfim: "Ué, porque a comida na casa dos Perrella deve ser ótima. Só pode ser por causa dela que um sujeito qualificado como piloto aceita receber um salário 10 vezes inferior ao do mercado para depois correr um baita risco traficando droga em aeronave roubada, né?"
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