O Estado de S.Paulo - 27/11
Quando soube da publicação do livro organizado por Marcos Costa Lima, Os Boêmios Cívicos. A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-1954), editora e-papers, fiquei muito interessado. Afinal, pouco se sabia sobre as ações da Assessoria Econômica, além do depoimento de seus membros mais proeminentes, seja no projeto de história oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), seja em livros publicados também a partir de depoimentos. O título repete comentário de Getúlio Vargas louvando a dedicação de seus fiéis auxiliares, entre os quais se destacavam Rômulo Almeida, Jesus Soares Pereira, Ignácio Rangel e Cleantho de Paiva Leite.
A Assessoria configurava um centro de poder particularmente interessante, pela proximidade ao presidente e a perspectiva de mais longo prazo de suas ações num período dominado por tensões e contradições entre Ministério da Fazenda, Banco do Brasil e Ministério do Trabalho.
No livro, entretanto, há pouco material analítico e crítico sobre as inúmeras propostas da Assessoria que seriam decisivas para definir a esfera de atuação do Estado brasileiro por muitos anos à frente, principalmente em relação a petróleo e eletricidade. Não creio ter visto qualquer referência à documentação primária, cuja análise permitiria um contraponto em relação a depoimentos recheados de reminiscências longínquas no tempo.
O argumento de que a ação da Assessoria teria contribuído para caracterizar o segundo governo Vargas como "nacional-desenvolvimentista" - em oposição à combinação de ortodoxia e populismo - não é convincente. Não é possível diferenciar, em vários aspectos, "nacional-desenvolvimentismo" de populismo. A sanção de Vargas ao aumento de 100% do salário mínimo, em maio de 1954, por exemplo, foi opção por manter a popularidade a despeito do impacto óbvio sobre a inflação. Há muitas repetições cansativas e inclusão de material trivial.
Por outro lado, o livro poderá estimular análises mais profundas sobre a ação da Assessoria, bem como iniciativas correlatas como as peripécias da política nuclear. Vargas é o construtor principal do Brasil moderno, mas, para caracterizá-lo como tal, não é necessário poupá-lo de qualquer crítica. Como diria Cromwell, seu retrato correto devia incluir as verrugas. No caso, as derrapadas populistas.
O livro teve para mim o mérito de relembrar um episódio ocorrido há quase meio século. Soares Pereira havia sido conselheiro do Conselho Nacional de Petróleo no governo JK. Meu pai, também conselheiro, apesar de ser de centro-direita, tinha Soares Pereira em muito boa conta. No início de 1966 eu estava no final do curso de Engenharia, na dúvida quanto à minha conversão à Economia, e indignado em relação à ditadura e à inclusão de Soares Pereira na primeira lista de cassados. Resolvi escrever-lhe em busca de conselhos profissionais.
Recebi, como resposta, uma carta maravilhosa. Incluía avaliação realista dos perigos da profissão de economista. "O economista pode ser arrastado a atuar de maneira mais danosa ainda (do que o engenheiro) por incompetência ou cupidez do político... poucas são as chances de participar de decisões; pelo contrário, quase sempre é convocado para fundamentar decisões preestabelecidas."
Incluía também a sua visão da tarefa à frente de construção do Brasil. "A velharada falhou... mas não é realístico encarar o passado como um somatório de erros. Primeiro, porque errar não é privilégio de velho... Segundo, porque o presente revela ter sido feita muita coisa até agora, na qual há que basear a ação futura. Terceiro, porque o passado deve ser visto como a grande fonte da experiência, inclusive quanto aos erros cometidos, para que eles não se repitam."
Seria muito útil que as avaliações de Vargas e do varguismo abandonassem a hagiografia e a postura defensiva e tentassem extrair lições do passado, em vez de justificar sem reservas o que foi feito.
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