O GLOBO - 04/10
Ele sugere que os ministros do Supremo Tribunal Federal passem a ter mandato. Provavelmente sonha com um tribunal enfraquecido, com dívidas políticas a pagar
Se uma personalidade pública — condição que exige, ou deveria exigir, ponderação e seriedade no que diz ou escreve — propõe iniciativas de inegável importância, merece ser ouvida pela classe política e pela opinião pública em geral.
Note-se: ouvida, mas não necessariamente aplaudida. Muitas vezes, para ser dissecada, criticada e discretamente jogada na lata de lixo mais próxima. É possível — alguns diriam indispensável — que a proposta seja usada para uma avaliação da sabedoria e das intenções do dono da ideia.
Está nesse caso a sugestão do ex-presidente Lula de que os ministros do Supremo Tribunal Federal passem a ter mandato. No sistema atual — nunca antes criticado — eles são indicados pelo presidente da República, aprovados pelo Senado e aposentados obrigatoriamente aos 70 anos.
Não é uma invenção brasileira. Existe em outros países de regime democrático, como os Estados Unidos — e nem lá como cá, até hoje, apareceu quem sugerisse sistema diferente. Simplesmente porque funciona, principalmente devido ao fato altamente relevante que mantém os ministros a salvo de pressões de qualquer natureza ou origem — obviamente, um dado indispensável para a sua independência.
Pelo visto, Lula não prestou atenção a isso. Ou, numa hipótese impensável, ele prefere que os ministros sejam periodicamente forçados a pedir votos no Congresso, o que obviamente enfraqueceria a independência do STF. A não ser que prefira submeter a composição do tribunal ao voto popular. Sejamos generosos: não acreditemos nisso.
Lula defende sua proposta com o argumento enfático de que “tem que ter mandato em tudo que é lugar”. Quem sabe, também no Vaticano? Ele não é o pai da ideia: ela já circulou no PT quando o STF condenou o ex-ministro José Dirceu, no julgamento do mensalão, a uma pena de prisão em regime fechado. Alguns petistas defenderam que os ministros do tribunal passassem a ter mandato de quatro anos, renováveis por mais quatro.
Cabeças sensatas prevaleceram e a sugestão não prosperou. Lula parece empenhado em ressuscitá-la. Provavelmente sonha com um tribunal enfraquecido, com dívidas políticas a pagar. Seu sonho seria um pesadelo para o regime democrático.
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