O GLOBO - 04/10
Ao voltar a Roma da visita ao Rio, Francisco tem somada à simplicidade a vontade de fazer, e começa a difícil e necessária reforma do Vaticano
Escolhido sucessor do Papa Bento XVI, para surpresa geral, o argentino Jorge Mario Bergoglio tem conseguido atender às melhores expectativas de quem, católico ou não, espera por uma renovação no Vaticano. E que pode ser histórica. Na escolha do nome do santo que simboliza a simplicidade e o despojamento, Papa Francisco esboçou um sentido para seu pontificado. E tem sido muito coerente.
Não se trata, porém, apenas de uma Igreja “franciscana”, próxima dos pobres, mas, tudo indica, de algo bem mais amplo. Trocar os luxuosos aposentos papais pelo quarto de uma pousada em Roma, a cruz de ouro por uma de ferro e os sapatos vermelhos Prada por calçados pretos comuns reforçam a postura do novo Papa. Mas outras mudanças, de real importância, também estão em curso.
Logo na primeira viagem internacional como Francisco, ao Rio, na Jornada Mundial da Juventude, o Papa contribuiu mais para melhorar a imagem da Igreja no mundo do que os oito anos de Ratzinger (Bento XVI). Embora grande intelectual, respeitado teólogo, ficou claro que Ratzinger não tinha condições, até físicas, de injetar vitalidade numa Igreja vítima dos estamentos de poder do Vaticano. Tanto que um dos brilhantes atos de Bento XVI talvez tenha sido a renúncia, sem qualquer ponta de ironia.
De volta a Roma, Francisco iniciou a dura tarefa de reformar o Vaticano, e que passou pelo inexorável afastamento do cardeal Tarciso Bertone da secretaria-geral de Estado. Considerado representante da máquina burocrática da Igreja, fonte de graves crises, como a leniência diante de casos de pedofilia, além de desvios na função do Banco do Vaticano, Bertone não poderia continuar.
Substituído Bertone pelo monsenhor, também italiano, Pietro Parolin, 58 anos, núncio na Venezuela e dos quadros da diplomacia do Vaticano, Francisco continuou a avançar nas mudanças de usos e costumes. Determinou que o Banco do Vaticano publicasse balanço e ainda criou o Conselho de Cardeais, para assessorá-lo na difícil tarefa de reforma da cúria. Com oito membros, o “G-8 papal”, como passou a ser chamado, reuniu-se pela primeira vez esta semana. O Papa, dessa forma, quebra o estilo monárquico do Vaticano. Sem entrar na questão da infalibilidade papal, é prova de sensatez trabalhar de forma colegiada na reforma de estruturas da Igreja.
À simplicidade, Francisco adiciona vontade de fazer, enquanto, em falas e entrevistas — outra novidade é a de um Papa que dialoga pelos meios de comunicação — desenha o perfil de um pontificado sem intolerâncias e arrogâncias. Tem sido assim quando, por exemplo, fala de homossexuais e ateus.
O Papa abriu algumas frentes de trabalho essenciais para o futuro da Igreja — modernização e transparência administrativas, compreensão de um mundo cada vez mais complexo e o acolhimento a todos. Tem tido êxito, mas também atrai a ira de setores conservadores do Vaticano. Não será fácil, mas as reformas são imprescindíveis.
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