VALOR ECONÔMICO - 04/10
Nos vinte cinco anos de vigência da Constituição que se completam amanhã os partidos que menos a emendaram foram aqueles que mais resistiram à sua aprovação.
Levantamento de Vandson Lima (Valor, 02/10), mostra que as legendas originárias do Centrão, agrupamento contrário à constitucionalização de muitos dos direitos sociais, assumiram a autoria de 70% das emendas de iniciativa do Congresso.
O mea culpa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos ataques do seu partido ao texto constitucional explica mais seu governo do que a divisão de forças que resultou na Carta.
Naqueles dias em que o Brasil inteiro parecia ter baixado nos corredores do Congresso, os 16 petistas unidos a parlamentares abrigados em outras legendas de esquerda, no PSDB e até no PMDB canalizaram para o plenário as pressões espremidas por 25 anos de autoritarismo.
Uma grande parte daquelas com as quais a esquerda simpatizava não vingou, mas a derrota no capítulo dos direitos sociais poderia ter sido muito maior sem a atuação daqueles parlamentares.
Foi aquela arregimentação política, à época represada pelo Centrão, que deu inicio à longa escalada do PT ao poder. Foi depois de alcançá-lo e patrocinar seis emendas constitucionais que Lula passou a concordar com José Sarney que o Brasil era ingovernável com aquela Constituição.
A oposição ao texto tanto moldou a imagem de um partido popular destinado a resgatar a dívida social do país quanto moveu as emendas petistas que aproximaram Lula e Sarney, no teor e, principalmente, no número de votos necessários aprová-las.
Mas foi o mesmo texto constitucional que ampliou as formas de acesso da sociedade e dos partidos ao Judiciário e pavimentou a chegada do PT ao poder. E foi no cumprimento da Constituição que o partido fundamentou as políticas públicas que ampliaram a inclusão social no país.
A análise das emendas constitucionais aprovadas ao longo dos 25 anos desde a promulgação mostra que nenhum dos partidos tem agido sistematicamente no sentido de desmontar o capítulo social da Constituição.
A universalizacão do voto com a inclusão dos analfabetos pela Constituinte e a realização de eleições livres para todas as instâncias de governo tem muito a ver com isso.
Se o Centrão não age para evitar a implantação do capítulo social da Carta, tem sido decisivo para que todos os governos o façam sem alterar o pacto da (má) distribuição de renda.
Nenhuma das mudanças tributárias feitas desde então alterou a estrutura de impostos fortemente baseada no consumo. O Ipea já mostrou que enquanto a carga tributária onera apenas 12% da renda dos 10% mais ricos, compromete um terço do orçamento dos 10% mais pobres. O incentivo ao consumo que tem pautado os últimos governos aumenta a contribuição da mais baixa renda a essa tributação regressiva. O texto constitucional mandou colocar os mais pobres no mapa, mas o pacto que aliançou os governos do PT e do PSDB ao Centrão fez com que os mais pobres sejam, em grande parte, os fiadores de sua própria inclusão social.
Vive-se mais, melhor e com mais instrução do que há 25 anos e a Constituição tem tudo a ver com isso. Mas é pelo financiamento das políticas publicas de educação, saúde, transporte e moradia que será possível desfazer o pacto de desigualdade que sobrevive na ordem política.
O SUS e os fundos constitucionais canalizaram os repasses para educação e saúde pública mas o esforço fiscal exigido pelas políticas anti-inflacionárias das duas últimas décadas faz com que sucessivos governos obtenham do Congresso a desvinculação dessas receitas.
A quebra dos monopólios estatais deu ao governo Fernando Henrique Cardoso a condição de recordista em emendas à Constituição (17 do Executivo e 18 do Congresso). Lula o sucedeu com 28, entre as quais uma reforma da Previdência que, ao contrário daquela do governo anterior, avançou para o setor público. Ambas preservaram uma das maiores conquistas da Carta, a inclusão dos trabalhadores rurais na Previdência, mas a de Lula foi mais radical na tentativa de aproximar o fosso que separa as castas de servidores dos celetistas.
O governo Dilma contabiliza sete emendas, sendo uma única de iniciativa do Executivo. A derrota emblemática no Código Florestal no início do governo deixou clara as dificuldades de se obter um quórum de três quintos. O peso adquirido pelo agronegócio na economia explica, em grande parte, a dificuldade do quórum.
No épico discurso de 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães disse que o Brasil aguardava uma nova Constituição como o vigia espera a aurora.
Vinte e cinco anos depois, uma presidente petista contabiliza como única mudança constitucional de sua iniciativa a prorrogação da liberdade do Executivo gastar, longe das amarras legais, uma fatia de seu Orçamento. No seu governo a mudança socialmente mais avançada da Carta foi a incorporação de sete milhões de trabalhadores domésticos à CLT. O vigia que, 25 anos depois, aprendeu a ler e engordou com as sobras do jantar do patrão, já deve estar bem acordado. Custará a entender como essa emenda foi parar no colo do PMDB. Talvez seja aquela história de que todo poder emana do povo. Ganha quem convencer que em nome dele será exercido.
N; o segundo turno de 2010 Marina Silva foi cortejada à exaustão. Preferiu se manter neutra. Começou a gestar ali sua "nova política". Os protestos de junho mostrariam que seu rechaço à política tradicional tinha respaldo. Marina perdeu um embate atrás do outro no Código Florestal. A aliança com um dos finalistas de 2010 não lhe traria garantia de vitória no tema mais caro de sua carreira política. O que uma aliança traz é a capacidade de comprometer um número maior de forças políticas com o resultado de uma votação. Marina pareceu isolada na derrota, apesar de muitos terem perdido com a votação. Na eleição municipal que se seguiu manteve-se longe da política partidária. Agora colhe os frutos do isolamento.
Levantamento de Vandson Lima (Valor, 02/10), mostra que as legendas originárias do Centrão, agrupamento contrário à constitucionalização de muitos dos direitos sociais, assumiram a autoria de 70% das emendas de iniciativa do Congresso.
O mea culpa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos ataques do seu partido ao texto constitucional explica mais seu governo do que a divisão de forças que resultou na Carta.
Naqueles dias em que o Brasil inteiro parecia ter baixado nos corredores do Congresso, os 16 petistas unidos a parlamentares abrigados em outras legendas de esquerda, no PSDB e até no PMDB canalizaram para o plenário as pressões espremidas por 25 anos de autoritarismo.
Uma grande parte daquelas com as quais a esquerda simpatizava não vingou, mas a derrota no capítulo dos direitos sociais poderia ter sido muito maior sem a atuação daqueles parlamentares.
Foi aquela arregimentação política, à época represada pelo Centrão, que deu inicio à longa escalada do PT ao poder. Foi depois de alcançá-lo e patrocinar seis emendas constitucionais que Lula passou a concordar com José Sarney que o Brasil era ingovernável com aquela Constituição.
A oposição ao texto tanto moldou a imagem de um partido popular destinado a resgatar a dívida social do país quanto moveu as emendas petistas que aproximaram Lula e Sarney, no teor e, principalmente, no número de votos necessários aprová-las.
Mas foi o mesmo texto constitucional que ampliou as formas de acesso da sociedade e dos partidos ao Judiciário e pavimentou a chegada do PT ao poder. E foi no cumprimento da Constituição que o partido fundamentou as políticas públicas que ampliaram a inclusão social no país.
A análise das emendas constitucionais aprovadas ao longo dos 25 anos desde a promulgação mostra que nenhum dos partidos tem agido sistematicamente no sentido de desmontar o capítulo social da Constituição.
A universalizacão do voto com a inclusão dos analfabetos pela Constituinte e a realização de eleições livres para todas as instâncias de governo tem muito a ver com isso.
Se o Centrão não age para evitar a implantação do capítulo social da Carta, tem sido decisivo para que todos os governos o façam sem alterar o pacto da (má) distribuição de renda.
Nenhuma das mudanças tributárias feitas desde então alterou a estrutura de impostos fortemente baseada no consumo. O Ipea já mostrou que enquanto a carga tributária onera apenas 12% da renda dos 10% mais ricos, compromete um terço do orçamento dos 10% mais pobres. O incentivo ao consumo que tem pautado os últimos governos aumenta a contribuição da mais baixa renda a essa tributação regressiva. O texto constitucional mandou colocar os mais pobres no mapa, mas o pacto que aliançou os governos do PT e do PSDB ao Centrão fez com que os mais pobres sejam, em grande parte, os fiadores de sua própria inclusão social.
Vive-se mais, melhor e com mais instrução do que há 25 anos e a Constituição tem tudo a ver com isso. Mas é pelo financiamento das políticas publicas de educação, saúde, transporte e moradia que será possível desfazer o pacto de desigualdade que sobrevive na ordem política.
O SUS e os fundos constitucionais canalizaram os repasses para educação e saúde pública mas o esforço fiscal exigido pelas políticas anti-inflacionárias das duas últimas décadas faz com que sucessivos governos obtenham do Congresso a desvinculação dessas receitas.
A quebra dos monopólios estatais deu ao governo Fernando Henrique Cardoso a condição de recordista em emendas à Constituição (17 do Executivo e 18 do Congresso). Lula o sucedeu com 28, entre as quais uma reforma da Previdência que, ao contrário daquela do governo anterior, avançou para o setor público. Ambas preservaram uma das maiores conquistas da Carta, a inclusão dos trabalhadores rurais na Previdência, mas a de Lula foi mais radical na tentativa de aproximar o fosso que separa as castas de servidores dos celetistas.
O governo Dilma contabiliza sete emendas, sendo uma única de iniciativa do Executivo. A derrota emblemática no Código Florestal no início do governo deixou clara as dificuldades de se obter um quórum de três quintos. O peso adquirido pelo agronegócio na economia explica, em grande parte, a dificuldade do quórum.
No épico discurso de 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães disse que o Brasil aguardava uma nova Constituição como o vigia espera a aurora.
Vinte e cinco anos depois, uma presidente petista contabiliza como única mudança constitucional de sua iniciativa a prorrogação da liberdade do Executivo gastar, longe das amarras legais, uma fatia de seu Orçamento. No seu governo a mudança socialmente mais avançada da Carta foi a incorporação de sete milhões de trabalhadores domésticos à CLT. O vigia que, 25 anos depois, aprendeu a ler e engordou com as sobras do jantar do patrão, já deve estar bem acordado. Custará a entender como essa emenda foi parar no colo do PMDB. Talvez seja aquela história de que todo poder emana do povo. Ganha quem convencer que em nome dele será exercido.
N; o segundo turno de 2010 Marina Silva foi cortejada à exaustão. Preferiu se manter neutra. Começou a gestar ali sua "nova política". Os protestos de junho mostrariam que seu rechaço à política tradicional tinha respaldo. Marina perdeu um embate atrás do outro no Código Florestal. A aliança com um dos finalistas de 2010 não lhe traria garantia de vitória no tema mais caro de sua carreira política. O que uma aliança traz é a capacidade de comprometer um número maior de forças políticas com o resultado de uma votação. Marina pareceu isolada na derrota, apesar de muitos terem perdido com a votação. Na eleição municipal que se seguiu manteve-se longe da política partidária. Agora colhe os frutos do isolamento.
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