O Estado de S. Paulo - 22/10
O fato de ter tido um único consórcio concorrente que entregará à União a participação mínima de 41,65% da produção (ágio zero) foi, a rigor, a única nota negativa do primeiro leilão do pré-sal, o Campo de Libra, realizado nesta segunda-feira, no Rio.
No geral, dá para dizer que a licitação foi relativamente bem-sucedida. A maior surpresa foi a presença no consórcio vencedor de duas gigantes, a anglo-holandesa Shell (com 20%) e a francesa Total (com 20%). As duas estatais chinesas, CNOOC e CNPC (com 10% cada uma) já eram esperadas.
A participação das megaempresas globais privadas Shell e Total desarma dois argumentos dos que cobram maior eficiência na produção de Libra: o de que a licitação fora um arranjo entre estatais e o de que não haverá suficiente fiscalização sobre os custos de produção a serem descontados do óleo excedente a ser entregue à União. Na condição de empresas de capital aberto, Shell e Total terão de dar satisfação a seus acionistas privados, normalmente fortes cobradores de transparência e resultados.
A presença da Petrobrás com 40% nos investimentos e na produção líquida, por sua vez, desmonta a denúncia dos sindicatos, especialmente dos funcionários da estatal, de que ela entrará com a maior parte dos custos e sairá com pouca recompensa.
Também perde força a crítica dos que se consideram defensores do interesse nacional, segundo a qual o governo está entregando riquezas nacionais aos estrangeiros, especialmente aos chineses. Se a União ficará com os 41,65% já previstos no edital e a Petrobrás com outros 40%, nada menos que 81,65% de Libra permanecerão por aqui. Afinal, os chineses levam 11,7% da produção líquida; a Shell, outros 11,7%; e a Total, 11, 7%.
Há alguns meses, gente do governo comentou que o desembolso imediato da Petrobrás pelo bônus de assinatura, de no mínimo R$ 4,5 bilhões, poderia ser bancado por outro sócio no consórcio. Com o aumento da participação da Petrobrás no negócio, seu pagamento imediato salta para R$ 6 bilhões. Não foi ainda explicado de onde sairá essa pancada, equivalente a quase todo o lucro líquido do segundo trimestre. Aumenta também o total dos investimentos da Petrobrás no empreendimento, de mais de R$ 40 bilhões, apenas na fase de desenvolvimento da reserva, situação que aumentará as pressões sobre seu caixa já combalido. Parece mais do que inevitável agora que o governo reajuste imediatamente os preços internos dos combustíveis.
A experiência concluída nesta segunda mostrou que há problemas na modelagem da licitação do pré-sal, assunto que será objeto de nova Coluna. Há mais duas observações a fazer:
(1) Embora tenha defendido a decisão do governo, em nenhum momento até a realização do leilão, a presidente Dilma se dispôs a refutar explicitamente, como se esperava, os argumentos antiquados da maior parte de sua base de apoio contra a realização da licitação de Libra.
(2) Em contrapartida, o ex-governador de São Paulo, o tucano José Serra, foi praticamente o único representante graduado da oposição a denunciar publicamente o leilão como ato entreguista "aos chineses". Mas também não arrancou dos seus correligionários nenhum apoio aberto a essa posição.
A seguir, duas observações de leitores sobre a Coluna publicada sábado ("Não é mais aquele") a respeito da perda de prestígio do automóvel:
"Dá câncer, sim". Onofre de Araujo Neto põe reparos na afirmação de que "não apareceu quem denuncie o automóvel como causador de câncer". Ele diz que a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), "comprovou que o diesel dá câncer". Ele destaca que, só em São Paulo, foram confirmadas 4 mil mortes causadas por emissões da queima de combustíveis fósseis.
Ineficiência. Engenheiro mecânico formado pela USP, Rolf Carl Thortensen Jr. alerta para a baixa eficiência dos motores de ciclo Otto. O rendimento nominal bruto dos motores (incluindo equipamentos como ar-condicionado e bomba d"água) não passa de 20%, se for a gasolina, e de 17%, se for a álcool. "A cada R$ 100 de combustível, R$ 77 são para esquentar o ambiente, R$ 20 para fazer a máquina andar e R$ 2 a R$ 3 para levar os passageiros", diz.
Um comentário:
Pois é, causa estranheza a proverbial presença das petrolíferas europeias no consórcio vencedor, e digo por por quê:
A Petrobrás é o governo certo! Pois bem, o governo já sabia do eminente fracasso de seu leilão pois as empresas privadas não mostraram interesse em se meter nesta cumbuca! Desse modo nada impedia que o governo via Petrobrás convidasse tais empresas garantindo lucratividade mínima, empréstimos camaradas ou ainda uma bonificação generosa no caso da desistência do negócio (todas estratégias típicas do governo do PT).
Amanhã ou depois que isso acontecer dirão que os eventos não estão relacionados, mais uma vez o PT ofendendo nossa inteligência.
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