O GLOBO - 14/09
A transfusão de sangue é muito utilizada nos grandes centros em razão dos procedimentos de alta complexidade como transplantes e cirurgias. Em consequência de doenças como o HIV e a Hepatite B e C, foram desenvolvidos testes sorológicos mais sensíveis em sangue de doadores. Aliada aos testes, a segurança da transfusão para reduzir o risco sanitário depende de medidas combinadas, como a captação de doadores voluntários, educação do doador e triagem meticulosa. Juntas, essas medidas têm por objetivo a diminuição de infecções virais transmitidas por transfusões.
No entanto, os testes atualmente usados ainda permitem a transmissão destes vírus, por causa da janela imunológica (período que o teste demora para dar o resultado positivo, depois que um indivíduo é contaminado). Foi por isso que, no começo dos anos 2.000, se iniciou na Europa e America do Norte a utilização de um teste mais sofisticado, que busca diretamente o vírus. O Teste de Ácido Nucleico (NAT), que diminui a janela imunológica do HIV de 22 dias para 10 e das Hepatites de 80 dias para 20 dias.
Estima-se que 135 mil pessoas no país não sabem que são portadoras do HIV. Muitas vão até os serviços de hemoterapia doar sangue para fins de diagnóstico da doença, aumentando, dessa forma, a chance de transmissão do vírus. O NAT vai identificar a maioria destes indivíduos e tornar a transfusão mais segura. Por isso, cabe a pergunta: que tipo de sangue queremos receber? Ou queremos que seja transfundido em nossos parentes?
Apesar de o Ministério da Saúde reconhecer a eficiência do NAT e fazer o teste nas suas unidades próprias para parte dos brasileiros - conforme palavras de Guilherme Genovez, da Coordenação do Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde - a rede privada e a rede complementar ao SUS ainda não o fazem, pois o teste não é obrigatório. Segundo ele, a Portaria que regulamenta a obrigatoriedade do uso do NAT está nas mãos do ministro Alexandre Padilha e será publicada quando o ministro desejar.
Surge, então, uma nova questão: teremos dois tipos de sangue no país? Onde fica o princípio da igualdade quando se fala em segurança na transfusão sanguínea? Como ficarão os 62 milhões de brasileiros que possuem planos de saúde e têm direito, como todos, de receber o melhor tratamento de saúde possível, utilizando-se das melhores tecnologias disponíveis?
Algumas operadoras já entenderam que mais vale investir na segurança transfusional do que arcar com os custos decorrentes das doenças transmitidas pelo sangue contaminado, mas as principais operadoras continuam resistentes ao NAT, indo de encontro aos interesses da sociedade civil, em especial dos portadores de doenças hematológicas que necessitam regularmente de bolsas de sangue. Se o próprio Ministério da Saúde já reconheceu a eficácia do NAT, o que leva o ministro Alexandre Padilha a não assinar a Portaria que ratifica essa decisão?
Paulo Tadeu R. de Almeida é médico e presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue
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