REVISTA ÉPOCA
Se vêm para trabalhar, os médicos não deveriam estar submetidos às
leis brasileiras?
Meus avós vieram da Espanha no início do século XX. Todos, por parte de pai e mãe. Foram trabalhar em plantações de café e nunca mais voltaram para sua pátria original. O Brasil se tornou sua pátria. Sempre brinquei comigo mesmo que poderia ter nascido espanhol. Tenho, é claro, uma afinidade grande por esse país. Até orgulho da arquitetura espanhola, da arte, da literatura, do sucesso da gastronomia. Picasso, afinal de contas, não era espanhol? Mas, quando meus avós desembarcaram, imediatamente assumiram que este era seu país. Aqui viveriam, teriam seus filhos, construiriam seu futuro.
Já observei levas de imigração, inclusive para fora do país. Quando jovem, passei alguns anos no exterior. Nos Estados Unidos, cruzei com muitos brasileiros que haviam decidido se tornar americanos. Inclusive mudando de condição social. Estudantes de classe média se tornavam garçons, motoristas de limusine. Um amigo jornalista, casado com uma americana, foi trabalhar em telefonia, instalando fios, aparelhos, sem a menor frustração. Todos agiram como meus avós: submeteram-se às leis da nova pátria. Tenho um amigo brasileiro, que também tem nacionalidade belga. Vive parte do ano em Paris. Exatamente cinco meses. Se ficar seis, ganha o direito de residência e, consequentemente, a obrigação de pagar impostos. Não só do que ganhar lá, como de suas rendas no Brasil. Foge da residência francesa que, no passado, foi símbolo de status, mas hoje, em seu entender, lhe causaria um rombo financeiro.
Sempre admirei meus avós pela coragem. Fico me perguntando: como alguém sobe num navio, rumo a um país desconhecido, deixa a família, para um futuro incerto? Italianos, japoneses fizeram isso. Judeus sobreviventes do Holocausto também vieram para cá. Todos vivem ou viveram de acordo com as leis nacionais.
De repente, levei um susto. Surge agora uma leva de imigrantes, os médicos cubanos, que se mudam para cá, mas que não viverão sob as leis brasileiras? O regime trabalhista nacional é severo. E, na minha opinião, antigo, ultrapassado, porque não prevê situações que surgiram com a evolução da sociedade. Tive uma amiga que era dona de um salão de beleza. Cabeleireiros e manicures costumam ser uma espécie de associados do salão. O empresário monta a estrutura. Os profissionais ganham uma boa percentagem por corte e por unhas, de 40% a 60%. Mas a lei trabalhista não prevê esse tipo de situação. Depois de três meses, o profissional passa a ter uma relação estável. E processa quando vai embora, em cima de direitos sobre seus ganhos. Minha amiga levou uns três ou quatro processos. Teve de fechar o salão. Há outras profissões em que acontece o mesmo. A combinação é uma, mas depois de algum tempo é caracterizada a estabilidade, e o empregador perde qualquer processo.
Os médicos cubanos estão vindo sob outra lei. O salário deles será pago ao governo de Cuba. E o governo repassará uma percentagem aos profissionais. Estrategicamente, chamou-se de “bolsa”. Bolsa é algo que se oferece a estudantes que vão estudar, fazer especialização, se aprimorar enfim. Os médicos vêm para trabalhar ou não? É óbvio, isso não é bolsa coisa nenhuma. É um truque semântico. Se vêm para trabalhar, não deviam estar submetidos às leis brasileiras? O argumento é que Cuba já fez esse acordo com outros países. E daí? O que eu, cidadão, que pago meus impostos, tenho a ver com isso? Nosso governo resolveu ajudar financeiramente Cuba por meio dessa estratégia? Nosso dinheiro está sobrando? Como, se sentimos falta de tudo: segurança, hospitais, escolas? Pior que isso, se Cuba se acha no direito de vender seus cidadãos, nós, brasileiros, devemos concordar? Os médicos que se danem?
Esses médicos não formarão laços com o país, como meus avós fizeram. Estarão aqui de passagem, pois suas famílias ficarão em território cubano (reféns?). Como fincar raízes? Como amar seus pacientes, se dedicar, se não têm a dignidade de receber seu salário diretamente, como qualquer um que trabalha e vive no Brasil?
O Ministério Público contesta a questão salarial na vinda dos médicos cubanos. Ainda bem que temos um Ministério Público atuante. Mas como um governo democrático aceitou uma coisa dessas? Eu pensava que a escravidão havia acabado. Constato que os médicos cubanos se tornaram um novo tipo de escravo, vendido pelo seu país, a quem aceita pagar.
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