segunda-feira, setembro 02, 2013

Conspiração contra o futuro - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


Estão em curso no Congresso dois projetos que aumentam substancialmente as despesas públicas: um duplica os gastos em educação (de 5,8% para 10% do PIB); outro obriga a despender 10% da receita da União em saúde. Não se pergunta como isso será financiado. A ideia parece ser a de que o governo sempre tem dinheiro.

A propósito, conta-se que Olavo Setubal (1923-2008), prefeito de São Paulo nos anos 1970, recebeu um grupo que reivindicava a execução de certa obra. Apesar dos méritos do pedido, ele informou que não havia disponibilidade no Orçamento, a menos que se cobrassem mais impostos, inclusive dos solicitantes. “Doutor Olavo, queremos que a obra seja feita com o dinheiro da prefeitura, e não com o nosso”, reagiu um deles.

No ocaso dos governos militares, enquanto líderes políticos aproveitavam a perda de legitimidade do regime para lutar em favor da democracia, a maioria dos parlamentares preferia batalhar por aumento de despesas. Na época, era justificável aumentar os gastos sociais. Havia alta concentração de renda, um dos efeitos do nacional desenvolvimentismo, que se baseava em substituição de importações, favores fiscais, crédito subsidiado e forte intervenção na economia. Na década de 80, esse modelo faliu e a inflação piorou. As desigualdades sociais se ampliaram.

A Constituição de 1988 foi influenciada pela ideia de “resgate da dívida social”. Acabou concedendo mais benefícios aos idosos. Eles ganharam novas vantagens com os reajustes do salário mínimo, que elevaram os gastos previdenciários. Em 1987, a conta de aposentados e pensionistas correspondia a 4% do PIB; em 2012 subiu para 11% do PIB. Em 1987, benefícios previdenciários, seguro-desemprego e outros gastos sociais equivaliam a 22% dos gastos federais; em 2012, já com o Bolsa Família (a menor parte dessa história), saltaram para 61%. A saúde consumia 8% e os servidores da ativa, 13%, o que deixava menos de 20% para as demais atividades, incluindo os investimentos. Estes caíram de 16% para apenas 6% do total no mesmo período. Daí a deterioração da infraestrutura.

Os projetos nas áreas de educação e saúde indicam que a marcha em prol do gasto social não parou. Eles custarão mais do que o dobro do dispêndio atual em investimentos. As despesas obrigatórias com pessoal, saúde, educação, programas sociais, encargos da dívida e transferências a estados e municípios se aproximarão de 100% da arrecadação. Isso vai desaguar em aumento da já excessiva carga tributária, eliminação do superávit primário, aumento da dívida pública ou mais inflação. O Congresso não liga para esses riscos. Para o líder do PSB na Câmara, “se não houver aumento de recursos, dizer que haverá melhoria na saúde é mentir para a população”. Para ele, a destinação de 10% da receita para a saúde “é inegociável” (Valor, 8/8/2013).

Gastos sociais são sempre necessários em um país onde ainda há muita pobreza e desigualdade. O problema é como financiá-los e geri-los de forma responsável e eficiente. É preciso, além disso, considerar as tendências demográficas. Fabio Giambiagi, um de nossos melhores especialistas em finanças públicas, tem se dedicado a estudar os efeitos fiscais dessas tendências. Com base na revisão das projeções feita em 2008 pelo IBGE, ele mostra que a população de zero a 14 anos cairá de 26% para 13% do total em 2050. Haverá, então, 21 milhões de crianças a menos, o que reduz a necessidade de gastos em educação fundamental. A participação dos que têm 60 anos ou mais passará de 10% para 30% do total. Outro grande especialista, Raul Velloso, calcula que, se nada for feito, os gastos federais com previdência, pessoal e assistência social saltarão de 14% do PIB, em 2012, para 29% do PIB, em 2040. E certamente mais em 2050.

Políticos não costumam preocupar-se com as próximas gerações, mas nossos parlamentares deveriam, antes de aprovar novos gastos, avaliar cuidadosamente suas consequências. Precisam também preparar o país para lidar com os riscos a que estarão expostos nossos filhos e netos. Preferem, todavia, o aumento de despesas e o desprezo pelas ameaças advindas da marcha inexorável da demografia. É uma verdadeira conspiração contra o futuro.


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