As manifestações de junho terão sido só um ponto fora da curva se não surgir um mote capaz de dar um foco a toda aquela energia positiva e motivar os seus protagonistas originais a acreditar que voltar às ruas pode servir a algum propósito útil. A máquina de moer esperanças do Sistema trabalha rápido para isolar e destruir o "corpo estranho" que invadiu, ameaçando saneá-lo, o caldo de cultura de que se nutre a luta pelo poder entre nós há 513 anos e restabelecer a tranquilidade do establishment.
Passado o choque da perda do controle das ruas, as viúvas das manifestações "de grife" estilo século 20 tratam de usurpá-las e devolvê-las ao serviço dos que vêm desde sempre se revezando no poder. Embora as mirradas "manifestações" aparelhadas que se seguiram as originais sejam falsificações grosseiras demais para convencer quem quer que seja de que não fazem parte desse mesmo "vale-tudo" que constitui o pouco que o Brasil inteiro, com exceção do irremediavelmente podre, sabe com certeza que não quer mais, há que recordar que não tem sido pelo convencimento, mas pelo cansaço, que eles têm conseguido prevalecer há tanto tempo.
No mais, segue o baile: a ala radical trabalha para rebaixar as defesas do País contragolpes plebiscitários, enquanto a frente "política" vai cevando na corrupção os vendedores de governabilidade e trabalhando para quebrar a fibra moral da Nação. A exumação do escândalo do cartel do Metrô de São Paulo atingindo todas as figuras de proa vivas e mortas do PSDB é o exemplo mais recente. São fatos ocorridos entre 1996 e 2007, investigados e divulgados na época pelos governos dos EUA e da Alemanha, mas que vêm a calhar nesta emergência para o esforço permanente do PT não para reduzir a corrupção, mas para zerar por baixo seu handicap negativo de campeão incontestável da modalidade pelo mote oficializado por Lula desde o mensalão: "Sim, nós somos. Mas quem não é?".
Já os enamorados do nada, dos Black Blocs da vida com suas máscaras negras aos Anonymous, contrafação ultrainformatizada dos primeiros com suas máscaras brancas, não são novidade. Não há porque temê-los para além do que possam perpetrar com as próprias patas ou com seus malwares. O anarquismo é uma constante histórica que tem um apelo inicial sedutor (Hay gobiemo? Soy contra!), mas não tem um projeto de poder. Por isso, no seu radicalismo niilista, consegue, no máximo, sistematizar o terrorismo - hoje praticado também e principalmente no ambiente virtual - durante períodos curtos de tempo.
Também eles contribuem, porém, para afastar do movimento de junho a camada intermediária da classe média rebelada, que mesmo avessa "à bagunça" se reconheceu naquelas manifestações e simpatizou com elas, ainda que hesitando em sair às ruas.
A última pesquisa é inequívoca. Dilma recomeça a subir. O PSDB cai. Marina Silva e Eduardo Campos sobem ainda, mais por não terem tido a oportunidade de decepcionar do que por qualquer virtude especial reconhecida, enquanto os totalmente desiludidos seguem na faixa de quase um quinto do eleitorado. Ou seja, a negação de "tudo isso que está aí" ainda cresce; os miseráveis, que chegaram a balançar, na dúvida começam a voltar a se abrigar na segurança da esmola; os que anseiam por mudanças reais continuam órfãos de pai e mãe.
Nada que prenuncie a visão da Terra Prometida...
Se há algo sobre o que não pairam dúvidas desde o primeiro momento, é que o repertório doméstico de expedientes políticos e remendos institucionais está definitivamente esgotado. Este é, aliás, o único ponto incontroverso deste movimento.
A imprensa, única instituição democrática teoricamente isenta da pressão direta da luta pelo poder, no entanto, tem restringido o escopo do seu trabalho de reportagem às nossas fronteiras físicas e ao repertório exaurido das "fontes" viciadas da discussão política doméstica, onde já se sabe que as respostas não podem ser encontradas, apesar de todas as facilidades para expandir essa pesquisa a experiências mais avançadas de democracia que a rede mundial oferece hoje.
A solução para o impasse brasileiro terá de vir do vasto rol dos arranjos democráticos "nunca antes experimentados na História deste país", no qual podem ser incluídos quase todos os que constituem os fundamentos básicos de uma democracia sem aspas. A lista é vasta, como ilustrava bem a multiplicidade dos cartazes que direta ou indiretamente a eles se referiam nas manifestações originais. E esta é a primeira das dificuldades. Por onde começar? Como reduzir tudo quanto nos falta conquistar a algo em tomo de que possa haver uma decisão "sim ou não"?
A resposta está em focar essa busca na identificação de um método de produção de instituições e de resultados mais sadio que o que temos, e não na repetição do erro de sempre de inscrever os direitos conquistados pelas sociedades que os alcançaram porque adotaram esse método numa lista de desejos que nossa fábrica de instituições defeituosa não está aparelhada para produzir.
Assim como nada define melhor o divórcio do Brasil do Terceiro Milênio deste que ainda se arrasta por aí do que o "não nos representa!" que atroa as ruas desde junho, nada pode responder melhor a esse apelo do que transferir das mãos dos interessados em que nada mude para as dos que precisam desesperadamente de mudanças a iniciativa e o controle final do processo de reformas que teremos de iniciar o quanto antes se quisermos manter a esperança de não sermos definitivamente condenados à periferia do mundo.
É exatamente isso que faz o sistema de voto distrital com recall: ele inverte a ordem que vivemos hoje e põe nas mãos de cada cidadão o poder de iniciativa e de controle do desfecho final de cada ação do poder público que possa afetar a sua vida, sem deixar nas mãos de ninguém poder sobrando para desaguar nem em imposições, nem em arbítrio e, assim, arma a cidadania para forçar os legisladores e o governo a fazer, daí por diante, todas as reformas que lhe parecerem necessárias.
Mais informações sobre como funciona o voto distrital co m recall no site www.vespeiro.com.
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