GAZETA DO POVO - PR - 29/08
As críticas – pertinentes – ao programa Mais Médicos e, especialmente, à maneira como foram contratados os médicos cubanos não justificam cenas de hostilidade como as vistas em Fortaleza
Os primeiros médicos cubanos que chegaram a Fortaleza, no Ceará, foram recepcionados de duas formas bastante diferentes. No aeroporto, uma claque festejava com jurássicos bordões segundo os quais “a América Latina vai ser toda socialista”. Mas, na segunda-feira, primeiro dia do curso pelo qual os estrangeiros têm de passar antes de assumir seus postos, dezenas de médicos cearenses hostilizaram os cubanos com vaias, insultos, gritos de “Revalida!” (em referência ao exame exigido de médicos de outros países interessados em trabalhar no Brasil, e que não será exigido dos participantes do Mais Médicos), pedidos para que voltem a Cuba e referências à escravidão. No dia seguinte, o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), José Maria Pontes, tentou consertar a situação, dizendo que as vaias eram para os gestores brasileiros. “Não temos nada contra os colegas cubanos”, afirmou. No entanto, é difícil conciliar sua explicação com o teor dos gritos de guerra – uma reação desproporcional, e ainda por cima direcionada às pessoas erradas.
“Vamos ocupar lugares aonde eles não vão”, disse um dos cubanos, referindo-se aos médicos brasileiros. A frase sucinta explica corretamente por que nenhum dos estrangeiros – cubanos ou não – que participam do Mais Médicos veio tirar o emprego dos brasileiros. Assim, a única queixa razoável que permanece é aquela referente ao Revalida. Como a Gazeta do Povo afirmou na semana passada, se por um lado é preciso aproveitar o interesse dos estrangeiros em trabalhar no Brasil, por outro há de se garantir a qualidade desses profissionais, e por isso seria interessante que os integrantes do Mais Médicos passassem pelo Revalida (uma exigência que poderia ser levantada em circunstâncias extremas, mas que a nosso ver não se apresentam no Brasil atual). No entanto, essa reivindicação não justifica a agressividade vista em Fortaleza.
Não faz o menor sentido tratar dessa maneira pessoas genuinamente interessadas em melhorar as condições de saúde dos brasileiros, e seria absurdo pensar que entre os cubanos não haja vários médicos imbuídos dessa preocupação. Não se pode ignorar a possibilidade de que haja profissionais que não tiveram escolha, forçados a vir trabalhar no Brasil – também esses merecem nossa compreensão. E, por último, não se deveria descartar a hipótese de haver alguns cuja formação médica é mero pretexto para o proselitismo político nas comunidades onde ficarão – em se tratando de Cuba, tudo é possível. Como o governo cubano impõe restrições de todo tipo aos seus médicos (restrições, aliás, que desrespeitam direitos básicos garantidos pela Constituição brasileira, o que o governo Dilma aparentemente ignora), só saberemos a verdade quando eles começarem a trabalhar, ou se algum deles tiver êxito em escapar das garras da vigilância castrista. Mas, nas circunstâncias atuais, todos eles merecem o respeito devido a um profissional que vem trabalhar no Brasil, especialmente nos locais que os próprios médicos brasileiros não escolheram para atuar. Situação diferente ocorrerá se começarem a surgir casos de imperícia, ou denúncias de ação política, casos em que será preciso agir com presteza, mas que nem assim permitiriam a hostilidade contra todo um grupo.
A Gazeta do Povo já manifestou, neste espaço, suas restrições ao programa Mais Médicos, e especialmente à maneira como os profissionais cubanos estão vindo ao Brasil. Mas quem pretende protestar contra sua vinda precisa direcionar as críticas aos verdadeiros responsáveis: o governo cubano, que impõe a seus médicos um cabresto, impede que as famílias venham com eles, e exige ser o intermediário do pagamento dos profissionais, embolsando boa parte do dinheiro; e o governo brasileiro, que concorda com tudo isso, permite uma relação de trabalho precária e incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, em que os cubanos são colocados em posição de inferioridade em relação aos demais estrangeiros do programa, financia a ditadura cruel dos irmãos Castro e nega antecipadamente (como disse o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams) o direito de asilo àqueles que porventura o solicitarem. Já os médicos são indivíduos dignos de nosso respeito; por mais boa vontade que tenham, até prova em contrário eles são os elos fracos do imbróglio.
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