ZERO HORA - 07/08
Passei mais de um mês fora do jornal – torço para que tenham reparado. Estive estudando em Londres e virando a cidade do avesso. Sigo não falando inglês com fluência: é projeto para uma vida. Mas o vocabulário se expandiu e a cabeça também, como acontece sempre que se sai em viagem de descobrimento. Voltei me perguntando o que ainda faz de Londres minha cidade preferida no mundo, e, sendo ela tão diversa, não há uma resposta única.
Não importa em que bairro, em que pub, em que estação de metrô você esteja: sempre escutará de três a quatro idiomas diferentes ao mesmo tempo, o que anula nossa nacionalidade e nos dá a sensação arejada de pertencer ao planeta – Londres não é uma capital humilde, como se sabe. Falando em metrô: o primeiro trem subterrâneo de Londres começou a circular em 1863, antes mesmo da invenção da energia elétrica (era movido a vapor). Mind the gap. O nosso começará a circular em algum ano entre 2017 e o infinito.
O.k., evitarei comparações, até porque o londrino está menos londrino: já não é pontual e polido com fanatismo, deu uma relaxada, e isso de certa forma o democratiza. Até a rainha está mais “gente como a gente”. Uma semana antes de o bisneto vir ao mundo, foi perguntada se tinha preferência por menino ou menina: “Tanto faz, desde que nasça logo, pois quero sair de férias”. Foi-se o tempo em que responder “desde que venha com saúde” é que era nobre.
Aliás, se ouvia falar do pequeno George na imprensa, e só na imprensa. Nas ruas, nem um pio. Ninguém se mobilizou. Aquele grupo reunido em frente ao Palácio de Buckingham no dia 22 de julho era composto apenas de turistas estrangeiros, em mesmo número dos que estão lá hoje e que estarão lá amanhã. O inglês está mais interessado na vida real do que na realeza.
Londres perdeu um pouco a fleuma até no clima. Com temperaturas acima dos 30 graus, sem um pingo de chuva por semanas seguidas, a falta de compostura diante do calor virou notícia. Nunca se viu tanto homem sem camisa pelas ruas – para eles, prova irrefutável da decadência do império.
Ou seja, Londres está mais solta – me segurei para não escrever “mais brasileira”, mas não ando bebendo tanto assim. Continua majestosa em sua arquitetura, com museus de tirar o fôlego (a exposição do fotógrafo Sebastião Salgado no Museu de História Natural é de nos encher de orgulho – absolutamente espetacular) e com parques cujo paisagismo você jura que ficou a cargo de algum pintor impressionista.
Aliás, foi em um parque que meu queixo tremeu e quase fui às lágrimas, e não por causa dos esquilos e das flores: enquanto o Papa abençoava nossa terra, eu dizia amém para os Rolling Stones em show satânico em pleno Hyde Park, com Mick Jagger a poucos metros de distância, em carne, osso, rugas e testosterona. Como se sabe, o sublime pode se manifestar de maneiras variadas e insuspeitas.
Enferrujada do jeito que estou, considere este texto apenas como um “oi, cheguei”. Um breve sumário de assuntos que logo adiante serão mais bem desenvolvidos. Por ora, ofereço esse patchwork só para dizer que estava com saudades e que, por mais que viajar seja fascinante, nada como estar de volta à casa.
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