O GLOBO - 07/08
Uma das diferenças entre a ditadura militar dos anos 60/70 e a do narcotráfico de agora é que contra aquela ainda havia lugar para algum tipo de contestação, embora com risco; já esta não permite qualquer desobediência a suas ordens. Toda oposição é castigada com tortura e execução. Por isso, assume caráter inédito a resistência do AfroReggae e de seu coordenador, José Junior, à pressão exercida pelos traficantes do Complexo do Alemão e da Penha por meio de ameaças de morte e vários atentados a prédios da entidade, comandados à distância, ao que tudo indica, por dois dos mais perigosos bandidos do estado: Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP, que cumprem pena na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná. Como chama a atenção o próprio Junior, “o importante nessa história é que pela primeira vez uma instituição não acata uma ordem do narcotráfico”. O exemplo não é só o dele, mas também dos “jovens e idosos que, mesmo contra a proibição ao AR, participam das nossas atividades”.
Novidade também é o movimento que começou a se organizar na semana passada, quando cerca de 100 pessoas representando vários segmentos sociais se reuniram para criar uma espécie de “rede de proteção” simbólica a José Junior, que vem sofrendo ameaças de morte e se recusa a deixar o país, apesar do convite de organizações internacionais e do conselho de amigos e autoridades. Ressaltou-se também a importância de a sociedade assumir o projeto de pacificação como uma política de Estado, a ser mantida mesmo com mudanças de governo. Graças às UPPs, morrem hoje no Rio menos mil pessoas a cada ano. Na ocasião, dois jovens da periferia deram seu depoimento: o de uma comunidade pacificada disse que havia muita coisa a fazer, mas que ninguém desejava a volta ao passado; o outro afirmou: “Queremos a pacificação. Nada ganhamos sob o domínio dos traficantes.”
A partir do encontro, que discutiu formas de solidariedade a serem adotadas, o movimento se estendeu à internet e está recebendo dezenas de e-mails de adesão. O primeiro evento programado é o Concerto para a Paz, da Orquestra Sinfônica Brasileira, no próximo dia 19, no Teatro Municipal. José Junior acredita que com o apoio da sociedade e do governo “podemos vencer essa guerra, aliás, já estamos vencendo”. Ele não hesita em defender a política de pacificação, discordando dos que veem nos atentados um sintoma de enfraquecimento do projeto das UPPs. Ao contrário: “Os tiros não foram um sinal de força, e sim de fraqueza.”
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