O GLOBO - 10/07
Será que Barack Obama vai continuar em silêncio diante da indignação de Dilma Rousseff, que ameaça recorrer à ONU contra a “interferência” da Agência de Segurança Nacional, a NSA americana? Será que ele, tão politicamente correto, não vai fazer nada contra a “violação da nossa soberania e dos direitos humanos”? Como disse o professor de Direito Constitucional Pedro Serrano, é “um ato de agressão”.
Essa verdadeira invasão de privacidade revolta não apenas nossas autoridades, mas também os cidadãos em geral, porque é um atentado à individualidade de todos e de cada um de nós. Aliás, já pedi ao José Casado — que teve acesso aos documentos vazados e produziu, com Roberto Kaz e Glenn Greenwald, um extraordinário furo de reportagem — para procurar entre os milhões de mensagens de brasileiros monitoradas pelos EUA os telefonemas e e-mails começando pela letra “Z”. Fico imaginando aqueles burocratas fuçando minha intimidade.
É claro que se trata de mania de grandeza, uma herança paranoica da época de nossa ditadura militar, quando a prática do grampo era disseminada entre políticos, jornalistas, artistas, intelectuais em geral (Ziraldo e eu ficamos presos durante meses por causa de uma conversa gravada, tida como perigosamente subversiva). Até há pouco tempo, me surpreendia interrompendo o interlocutor do outro lado da linha: “Isso a gente fala pessoalmente, por telefone é perigoso.” Mas aqueles eram tempos de generais e de censura aqui, e de Nixon e guerra do Vietnam lá. Hoje, porém, não será pior? Há pelo menos mais sofisticação, com o advento da globalização, da internet e da revolução da tecnologia da informação. Antigamente, a operação de escuta era demorada: instalação do microfone, gravação, transcrição da fita. Agora, o volume de informações monitoradas é gigantesco. “Só no mês de janeiro deste ano”, informa a reportagem, “a NSA rastreou 2,3 bilhões de dados nos EUA”, e o Brasil ficou pouco atrás, sendo o país mais espionado da América Latina, e isso sem ser base de terrorismo, só de corrupção.
Em tempos de passeatas e cartazes, não surpreende que desenterrem uma palavra de ordem ao mesmo tempo fora de moda e muito atual: “Yankees, go home.”
Honra ao mérito desse jovem D. Quixote, herói real num mundo virtual: o ex-técnico da NSA Edward Snowden, que está vivendo em trânsito, atualmente no aeroporto de Moscou, fugindo dos americanos como um criminoso por ter denunciado essa diabólica rede de espionagem eletrônica.
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