O Estado de S.Paulo - 11/07
Em junho, a Eletrobrás tomou emprestado R$ 2,5 bilhões do BNDES e pagou dividendos atrasados aos acionistas - o maior deles é a União -, mas entre eles está também o BNDES. É o exemplo mais recente da chamada "contabilidade criativa" - expressão que já mereceria inclusão nos dicionários de economia brasileira, num capítulo relativo às práticas fiscais, no mínimo, condenáveis.
Imagine-se que operação semelhante fosse realizada numa hipotética holding privada do grupo Y, que controlasse bancos e empresas abertas. A controladora, também aberta, precisa de caixa. E manda uma controlada tomar empréstimo num banco do grupo para lhe transferir os recursos que estão faltando. Sem contar gastos adicionais (tributos, pagamento de serviços, etc.), o resultado para o grupo Y é um arranjo contábil em que se tirou dinheiro de um caixa para pôr em outro caixa - mas todos os caixas são da holding. As operações são lícitas, mas o objetivo é maquiar as contas. Se você é acionista da holding, vai querer saber que vantagem levou. Se ficou desconfiado, vai procurar o auditor e o órgão regulador para que a operação seja esclarecida.
No caso, a holding envolvida é o Tesouro Nacional. Os contribuintes podem ser equiparados a acionistas minoritários. E a Eletrobrás tomou dinheiro do BNDES para transferir ao Tesouro, com a agravante de que teve de pagar juros "acima do esperado em operações com garantia da União", segundo o Tesouro. A operação (de capital de giro), descrita em reportagem de Eduardo Campos na edição de ontem do jornal Valor, foi autorizada pelo ministro da Fazenda.
A "contabilidade criativa" já atinge proporções que uma gestão fiscal minimamente responsável não admitiria. Mas essa operação Eletrobrás/BNDES não é só um artifício para iludir analistas de contas públicas. É um expediente contábil cujo propósito é permitir que o governo gaste além do que arrecada. Não fosse por essa "criatividade", o resultado primário de junho seria pior do que aquele que será apresentado pelo Tesouro no final deste mês.
Para gastar mais, o governo não pode ignorar o custo da grave deterioração das contas das empresas estatais, seja por conta do reajuste populista de preços de bens e serviços (derivados de petróleo, na Petrobrás, e energia elétrica, na Eletrobrás), seja pelo uso do BNDES como fonte de caixa, à semelhança do que se fazia, no passado, com a "conta movimento" do Banco do Brasil.
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