FOLHA DE SP - 30/06
SÃO PAULO - Edward Snowden, o homem que revelou que os EUA bisbilhotam computadores e telefones de milhões de pessoas em todo o mundo, é um traidor ou um herói?
Receio que a pergunta, que vem pautando a imprensa americana, não faça muito sentido. Mesmo que Snowden tenha violado alguma lei dos EUA aplicável a funcionários do governo ou de empresas terceirizadas, em termos de liberdades civis, que me parecem muito mais importantes, não há dúvida de que ele prestou um relevante serviço ao mostrar a escala maciça em que ocorria a espionagem. Isso faria de Snowden muito mais um herói do que um traidor, mas, na dúvida entre mandá-lo para a cadeia ou dar-lhe uma medalha, boa parte da mídia tem preferido destacar que ele possui uma personalidade narcisística, o que explicaria sua conduta. Mas explica mesmo?
O que leva uma pessoa a atitudes altruístas que lhe atrapalham a vida, quando não a tiram? Santos, mártires e heróis existem de verdade? Madre Teresa dedicou a vida aos pobres por amor verdadeiro ou tentando garantir uma vaguinha no céu? A questão é capciosa. Até Kant, o filósofo que mais a sério levou a ideia de dever moral, teve de admitir que gestos desinteressados são bastante raros.
Por vezes a própria virtude do ato é contestável. Reza a lenda que santo Eustáquio preferiu ser cozinhado vivo com mulher e filhos a oferecer sacrifício a deuses pagãos. A igreja o canonizou, mas, para mim, ele falhou miseravelmente em seu dever de pai.
Pior ainda, experimentos da neurociência indicam que o livre-arbítrio, a matéria-prima da santidade, pode não passar de uma ilusão. Mas, mesmo que não sejamos autômatos que só respondem a mudanças no ambiente, já dá para afirmar que o heroísmo, mais que um fenômeno objetivo, é uma narrativa que aplicamos às histórias de que gostamos.
Saio em férias por algumas semanas e retorno no final de julho.
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