O Estado de S.Paulo - 30/06
O que tem que ver o Relatório de Inflação do Banco Central (BC) com as manifestações de protesto nas ruas? Quer ver, leitor, como têm muito em comum?
No relatório, referente ao 2.º trimestre de 2013, o BC elevou a previsão de inflação de 5,7% para 6%, reduziu a do crescimento econômico de 3,1% para 2,7% e responsabilizou a "política fiscal expansionista" do governo pela piora dos dois mais importantes indicadores para a vida dos brasileiros. Ou seja, como o governo gasta mais do que pode, a inflação sobe e o crescimento declina. Sobretudo porque o governo canaliza seus gastos menos para investimentos (o que seria saudável) e mais para despesas cotidianas: as de custeio da obesa máquina pública, as que distribuem verbas para deputados, senadores, governadores e prefeitos amigos e, ainda, as que servem para sustentar um sistema político que só funciona com a viciada troca de favores, o toma lá dá cá de cargos e verbas, um sistema que inevitavelmente descamba para a corrupção. E é justamente contra isso que milhares de pessoas vão às ruas protestar, rejeitando o apoio dos partidos políticos, dos sindicatos e da chamada sociedade civil organizada.
A presidente Dilma Rousseff apressou-se em responder de imediato com propostas impactantes capazes de enfraquecer as forças dos protestos. Até agora, não conseguiu. Desistiu da fantasiosa e atrapalhada Constituinte exclusiva e optou pelo plebiscito, uma consulta popular com foco na reforma política. É bem-vinda a ideia de aproveitar a pressão das ruas para obrigar os políticos a aprovarem uma reforma há décadas rejeitada por eles. Mas o debate tem sido caolho, porque concentra o foco só nas eleições, esquecendo das deformidades do sistema político por onde transita a corrupção e abrindo portas para os partidos que estão no poder moldarem as perguntas do plebiscito de acordo com seus interesses eleitorais.
Se as lideranças políticas, inclusive a oposição, não aproveitarem este momento para pensar maior e agir sobre a estrutura de um sistema político deformado, apodrecido e condenado em cartazes e palavras de ordem dos manifestantes - um sistema que incentiva a corrupção, o desvio e o malfeito (como define a presidente Dilma) e que obriga a população a entregar todo mês ao governo 36% de sua renda em impostos para sustentar desperdícios, má gestão, incompetência e privilégios de quem é pago pelo dinheiro público -, então as ruas não vão calar.
Nenhum político governista veio a público para defender a redução de 39 ministérios (15 criados por Lula e Dilma para entregar a partidos aliados); nem mudar regras que impeçam o Legislativo de legislar em causa própria e elevar seus próprios salários; tampouco impor barreiras para as emendas de parlamentares ao Orçamento não virarem pó; ou pôr fim ao sistema de troca de cargos e verbas por votos no Congresso. Nenhum político apresentou um plano para tornar o Estado menos gastador e mais eficiente na gestão do dinheiro público. Na quarta-feira o ministro Guido Mantega mencionou que o governo quer chegar ao déficit nominal zero, mas não se comprometeu com nenhum prazo. Seria bom se fosse verdade, sinalizaria que o governo vai cortar gastos exagerados. Mas, em vez disso, as ações de desperdício prosperam e a presidente gasta R$ 324 mil para ela e quatro ministros passarem três dias em Roma e assistirem à missa inaugural do papa Francisco.
Uma reforma concentrada nas eleições e descolada de práticas políticas deformadoras, que tiram dinheiro da educação, da saúde, do saneamento, da segurança para gastar no toma lá dá cá entre Executivo e Legislativo, no troca-troca de cargos e verbas, não é reforma verdadeira, eficaz, voltada para construir uma democracia forte.
São por esses ralos que o dinheiro público se esvai e, se não forem eliminados, continuarão alimentando os gritos nas ruas. É a isso que o BC chama de "política fiscal expansionista", responsável pela queda no ritmo do crescimento e pela alta da inflação.
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