O ESTADO DE S. PAULO - 14/06
Quando, no início do governo Dilma, delineou-se o "modelo econômico" que ela pretendia seguir, confesso que fiquei perplexo. A ideia mestra era tão simplesmente pisar no acelerador que tudo, a partir daí, se arranjaria como que por milagre. Não haveria inflação, pois se cuidaria para que as taxas de juros permanecessem baixas. Nada de temer desemprego, porque a demanda por mercadorias faria com que a mão de obra fosse um fator de produção sempre escasso e, portanto, em crescente valorização. Nada de pensar em recessão, porque o Tesouro Nacional, sempre que houvesse necessidade, poderia ser socorrido pelos abundantes recursos do BNDES, que nunca se esgotam porque se abastecem das contas compulsórias que todos nós recolhemos a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Basta acrescentar mais alguns retoques e pronto! O Brasil descobriu a fonte dos recursos externos. Os empresários não ousam aumentar os seus preços por temerem a concorrência dos produtos importados. E estes estão baratos justamente porque o dólar, para nós, está barato. Foi com essa fórmula mágica que o Brasil sobreviveu à crise de 2008. E é graças a ela que vamos vivendo até agora, 2013.
Eu tenho profundas desconfianças com relação a fórmulas mágicas. Em se tratando de economia, então, o meu ceticismo redobra. Ainda me recordo de um professor da faculdade que não se cansava de nos alertar: "Se uma corda tem uma ponta, pode procurar porque tem outra". Ou, numa linguagem mais regional: "Cobras e economistas nunca andam sozinhos: acautele-se!". Pois bem, desde que o atual governo demonstrou ao povo quais eram as suas diretrizes, ao menos na área econômica, eu comecei a sentir verdadeiros calafrios. Essafór- mula não fecha! Comentava com os meus botões: "É a mesma coisa que tentar sair do chão puxando os cadarços de nossos próprios sapatos".
Mas vai dizer tais coisas às pessoas. Você, no mínimo, será tachado de derrotista, ou, pior, de agente do neoliberalismo. E isso, aos olhos dos petistas, equivale a um crime de lesa-Pátria.
Temos de reconhecer: esse plano, apesar de inconsistente, é extremamente engenhoso. Como o nosso atual ministro da Fazenda, apesar de competente, não é particularmente brilhante, qual seria a fonte de inspiração das ideias que defende? Sabe-se pela imprensa que seus mais próximos amigos são o quase eterno Delfim Netto e o jovem e ambicioso banqueiro André Esteves.
Esteves, ao que se sabe, adora ganhar dinheiro, é um reconhecido estrategista, mas parece que mover os tentáculos da economia não é lá a sua praia. A não ser que isso lhe seja útil para ganhar cada vez mais dinheiro, algo que ele tem demonstrado saber fazer como ninguém. Resta-nos, então, o maquiavélico Delfim Netto, cujo perfil se adequa perfeitamente ao papel de eminência parda.
Para quem sabe pouco sobre ele, basta lembrar que durante os governos militares ele dirigiu, com plenos poderes, a economia do País em três mandatos presidenciais. Ele foi o czar das finanças durante os governos de Costa e Silva, Médici e Figueiredo. Dono de um senso de humor desconcertante, ele sempre se valeu desse dom para demolir seus eventuais adversários. Neste aspecto, apesar de seus mais de 80 anos, ele permanece invicto. Certo ou errado, ele sempre vence as discussões em que se envolve. Foi assim quando ele era apenas um professor da USP, continua assim agora, quando ele tem um longo currículo a apresentar. Não são poucos os que atribuem o sucesso de suas gestões a sua habilidade em montar equipes e mantê-las fiéis a ele. Durante o período militar, para o bem ou para o mal, todos os governantes tinham consciência de que contratar Delfim implicava levar com ele a sua "butique de talentos". Ele tinha sempre o homem certo para o cargo certo.
Quando os governos militares se extinguiram, ele cuidou de se manter em cena elegendo-se numerosas" vezes para o Parlamento. Mas o Congresso não era a sua vocação natural e há quem diga que nas eleições de 1994 ele perdeu o seu mandato por pura inapetência. Agora, ao que parece, está de volta, revigorado. Tratou de aproximar-se de Lula, quando este era presidente, e com isso concentra mais poderes do que nunca.
Indica as pessoas que quer; desenha a economia como deseja; não precisa prestar contas a ninguém; não depende da opinião pública para nada. E, o que talvez seja o mais importante, conta com a presteza de um ministro da Fazenda que, no seu íntimo, tem consciência de que, sem o aconselhamento de seu mestre, muito provavelmente não teria ascendido na carreira como ascendeu.
Agora, se tudo isso vai dar certo, são outros 500. Deu certo até aqui, o que não serve de garantia quanto ao daqui para a frente.
A política de juros baixos pode ter servido ao consumo das pessoas, porém não há indicação de que possa ser mantida no futuro. Se os juros ou o câmbio dispararem, teremos a volta da famigerada inflação. O que, aliás, já vem acontecendo. A pergunta que não se cala todos repetem de cor: Bastariam os dons de prestidigitador de Delfim para afastar as ameaças que se assomam no nosso horizonte? Oute- remos em breve um choque de realidade que haverá de nos ferir a todos?
Eu bem me recordo do que ocorreu em 1981, quando era ele que comandava a economia. A correção monetária foi congelada em 50%, enquanto a inflação já superava os 100%. Como o rendimento da poupança, em razão dessa medida, mal alcançava metade da taxa de inflação, todo mundo tratou de investir os seus recursos em algum ativo que preservasse o seu poder aquisitivo.
De nada adiantou. A taxa de inflação se manteve no patamar de 100% e as pessoas, com isso, perderam a metade do que possuíam. O desastrado Plano Collor foi fichinha perto disso. Este último, ao menos, teve o escrúpulo de, após 18 meses, liberar o dinheiro retido.
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