FOLHA DE SP - 14/06
Mais uma vez a presidente Dilma Rousseff dirigiu críticas à oposição e atacou o suposto pessimismo de quem manifesta apreensões com os rumos de seu governo. Desta feita, em discurso no Planalto, a mandatária apelou a um personagem de "Os Lusíadas", de Luís de Camões --o velho do Restelo.
Na epopeia escrita no século 16, o ancião entra em cena quando as embarcações de Vasco da Gama estão por partir em busca das Índias.
Parentes e amigos despedem-se dos marujos na praia do Restelo, quando a "voz pesada" do velho se faz ouvir num discurso de condenação à empresa: movido pela cobiça, o navegador expunha-se a perigos e corria o risco de fracassar, num momento em que o país ainda se via ameaçado pelos mouros.
O personagem é associado a uma visão conservadora, feudal, contrária à expansão mercantil ligada às navegações. "O velho do Restelo", disse Dilma, "não pode, não deve e, asseguro a vocês, não terá a última palavra no Brasil."
Espera-se que não, mas não há dúvida de que a governante navega por mares agitados e enfrenta, em seu périplo, percalços que justificam a opinião dos críticos.
A política econômica atual pauta-se por decisões ao sabor dos ventos que produziram efeitos medíocres. Diferentemente do navegador lusitano, que desbravava o desconhecido, o governo ignora caminhos já testados e retoma a temerária rota intervencionista.
Nas contas públicas a gestão é frouxa, e observa-se mal disfarçada leniência com a escalada da inflação. O índice chegou ao teto de tolerância da meta, obrigando o Banco Central a reassumir o leme e providenciar às pressas uma correção na política monetária.
Também na Fazenda, capitaneada por Guido Mantega, o comportamento é errático. Aumentos e cortes de tributos ocorrem de acordo com as intempéries da hora.
O caso mais recente é o do câmbio. Após dizer que não alteraria a alíquota de 1% do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) que incide sobre transações em dólar no mercado futuro, o ministro, dois dias depois, mudou de opinião.
Por sua vez, as projeções de crescimento do PIB se estreitam, reforçando a desconfiança de investidores e analistas internacionais.
A culpa decerto não é de velhos do Restelo --ou "fracossomaníacos", na expressão usada em casos análogos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para que a última palavra não fique com "pessimistas", como quer Dilma Rousseff, seu governo precisará demonstrar com resultados que é capaz de levar o país a bom porto.
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