O GLOBO - 10/06
Promulgada em 1988, quando o país encerrou definitivamente o longo ciclo de domínio militar iniciado em 1964, a Constituição contemplou respostas para demandas reprimidas pela tutela do poder erigido das casernas. Era natural que o fizesse, como retrato institucional resultante das forças políticas que se bateram na Constituinte para assegurar, na Carta, reivindicações das bases por elas representadas. De maneira geral, o novo ordenamento jurídico consolidou-se com soluções positivas. Houve também dispositivos que, por equivocados, foram objeto de objeto de revisões no Congresso.
Enquadra-se neste caso a licença dada às Assembleias Legislativas para encaminhar processos de emancipação de municípios. Aberta a porteira da criação indiscriminada de prefeituras, entre 1988 e 2000, quando o Legislativo federal reviu o equívoco, o país viu nascer cerca de 1.400 novos municípios. Hoje, o número de prefeitos ultrapassa 5.500.
Por si um gigantismo que não se sustenta — do ponto de vista da viabilidade fiscal, administrativa —, a este total podem ser adicionados em breve algo entre 400 a 500 novos municípios. A chave da porteira está nas mãos do Congresso, que examina um projeto de lei complementar que devolve ao legislativo dos estados o poder de autorizar a convocação de plebiscitos para deliberar sobre a emancipação de distritos.
Não é outra coisa senão a ressurreição da indústria da criação de municípios, poderosa arma que se devolverá às mãos de caciques políticos para dar autonomia a feudos por eles controlados, ou sobre os quais exercem influência, mesmo sob a inequívoca perspectiva de sua inviabilidade administrativa. Não é difícil perceber o que isso representará de impacto nas já sobrecarregadas contas públicas. Com base na enxurrada emancipacionista do período 1988-2000, a Federação das Indústrias fluminense fez um estudo dos números de 50 dessas cidades. Nelas criaram-se 31 mil empregos públicos e, em cinco anos, a União repassou-lhes, por dever constitucional, cerca de R$ 1,3 bilhão. Puro desperdícios: em geral, as novas prefeituras não registram melhorias nos indicadores sociais.
Sequer a maneira como os patrocinadores do projeto estão dourando a pílula é argumento aceitável. O texto em análise no Congresso estabelece algumas condições para a criação dos novos municípios, mas não resolve a questão central, ao não apresentar alternativas concretas para a criação de novas receitas, de modo que essas cidades tenham efetiva independência administrativa — ou seja, não dependam exclusivamente de repasses federais. Por outro lado, promoverão um inaceitável aumento de despesas decorrentes da montagem de uma estrutura com casas legislativas, secretarias etc. Em suma, a fórmula para empreguismo, barganhas políticas, expansão da caciquia etc. E com o agravante de que as cidades desfalcadas dos distritos emancipados terão perda de receita.
São inúmeros os pontos contrários ao projeto, todos eles se traduzindo em ônus para o contribuinte, sem benefícios concretos para o país. O Congresso precisa assumir a responsabilidade de não dar curso a essa aventura já vista.
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