O GLOBO - 10/06
Se no passado a meta de inflação era de 4,5% e agora assiste-se complacentemente ela ser de 6%, que garantias há de que daqui a cinco anos ela não será de 8 %, e daqui a dez anos de 10%?
Em matéria de inflação, o Brasil ingressou nos últimos anos em terreno delicado. Durante 5 ou 6 anos, na segunda metade da década passada, o país ficou num meio termo relativamente aceitável, quando tinha uma meta de inflação de 4,5%, em geral respeitada. Não tínhamos aumentos de preços tão pequenos quanto os observados nos países “nota 10” em matéria de inflação — como Alemanha, Suíça ou, aqui perto, Chile ou México —, mas também éramos uma economia na qual o cidadão podia ficar razoavelmente seguro de que a inflação seria moderada e estável, e portanto não vivíamos em um lugar onde as pessoas temessem uma inflação alta. A pergunta que eu dizia nas palestras sobre conjuntura era: “Dá para botar a mão no fogo garantindo que daqui a 10 anos a inflação em hipótese alguma ultrapassará os 10%?” Até 2010, minha própria resposta a essa pergunta era um sonoro “Sim!” Confrontado com tal pergunta, um suíço teria dificuldades para entender o sentido dela: para ele, imaginar uma inflação de 10% no seu país é um despropósito tão grande como para um carioca responder se acha que vai nevar no Rio. Nesse sentido, estávamos virando um país normal. Já considerando o que estava acontecendo com a inflação entre 2011 e 2013, dava para hesitar antes de responder àquela pergunta.
O presidente da Fundação Agricultura Sustentável, opinando sobre questões agrícolas, disse certa vez que “o Brasil é um país em que as pessoas acham muito, observam pouco e não medem praticamente nada”. A frase vem a calhar para analisar o “oba-oba” em que se transformou a discussão de política monetária no Brasil, com “achismos” de todo tipo daqueles que torcem (como se fosse um jogo de futebol) para a Selic ser a menor possível.
Que os economistas erram muito, é de uma evidência que dispensa maiores comentários. Que a economia monetária está longe de ser uma ciência exata, é algo que ninguém nega. Porém, quando se tem dezenas de Bancos Centrais (BCs) no mundo acumulando experiência na matéria, milhares de artigos acadêmicos sobre tais questões avaliando todo tipo de situações e “n” especialistas testando modelos para melhor entender e prever a evolução de algumas variáveis chave da economia, é preciso ter certo respeito pelo trabalho técnico daqueles que dedicaram anos ao estudo do tema. Como disse certa vez Alan Blinder, um proeminente acadêmico dos EUA e ex-Diretor do Banco Central daquele país (o FED), “você pode tomar decisões sobre política monetária recorrendo aos melhores modelos que existem, mesmo sabendo que há uma incerteza sobre os seus resultados; ou você pode decidir consultando o seu tio”.
Uma das coisas que nós economistas aprendemos nas últimas décadas é sobre o papel fundamental que as expectativas passaram a desempenhar na economia. E nesse sentido, a chamada “desancoragem das expectativas de inflação” produzida no atual Governo ameaçava ser o pior legado que Dilma Rousseff deixaria para o vencedor das eleições de 2014 — eventualmente, a própria. Anos atrás, quando se perguntava aos participantes da pesquisa Focus que inflação eles esperavam 2 ou 3 anos à frente, todos cravavam 4,5%. Nos últimos anos, isso mudou. No começo de 2012, a inflação prevista pelo mercado para 2014 era de 4,9% e recentemente chegou a 5,8%. Pior: mesmo a inflação prevista para 2016 passou a ser de mais de 5% (5,2%).
Para entender as raízes do processo, temos que lembrar a frase de Leon Festinger, psicólogo autor da teoria da dissonância cognitiva, segundo a qual o ser humano tem a propensão a ignorar a realidade quando ela vai contra suas crenças. Dizia ele que “uma pessoa com convicção dificilmente muda de opinião. Mostre-lhe fatos e números e ela questionará suas fontes. Se você utilizar a lógica, ela não o entenderá”. A teimosia ideológica estava começando a levar a inflação por caminhos perigosos. A pergunta que não queria calar era: se no passado a meta de inflação era de 4,5% e agora assiste-se complacentemente ela ser de 6%, que garantias há de que daqui a 5 anos ela não será de 8 % e daqui a 10 anos, de 10%? É preciso que a meta oficial de inflação volte a ser crível. É por isso que o BC voltou a subir a Selic, já que a inflação precisa retornar aos 4,5%. Resta esperar que ele não deixe a tarefa pela metade.
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