O GLOBO - 17/06
O que distingue a época em que eu corria dos PMs montados a cavalo nas ruas centrais do Recife desta, quando escrevo sobre os jovens vítimas da violência da PM de São Paulo, é que há 45 anos vivíamos sob o tacão da ditadura militar inaugurada em março de 1964 e só concluída formalmente em março de 1985. De resto, agora como antes, o que os jovens tentam fazer é somente política. E nada mais.
AQUELES OBRIGADOS a conviver com a ditadura eram chamados pelas autoridades de subversivos, comunistas e, mais tarde, terroristas. Assim também eram apresentados pela imprensa em geral.
Enfrentavam a repressão com paus e pedras e derrubavam cavalarianos com bolas de gude. Até dezembro de 1968 apenas apanhavam e eram presos por pouco tempo. Dali para a frente passaram a ser torturados e mortos.
MUITOS ERAM "filhos órfãos de pais vivos - quem sabe... Mortos, talvez... Órfãos do talvez e do quem sabe". Ou "viúvas de maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez", como denunciou o cearense Alencar Furtado, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, em discurso que lhe custou o mandato, cassado em junho de 1977 pelo presidente-general Ernesto Geisel.
UM OBJETIVO unificava as diversas tendências e organizações que atraíam os jovens: a luta pela liberdade.
Quando a ditadura tirou a máscara e exibiu sua carranca medonha, os jovens se dividiram entre duas formas de combatê-la: pela via legal do prudente exercício cotidiano da política e pela via armada. Quando a ditadura chegou ao fim, os que ainda eram jovens foram terminar seus estudos e cuidar da vida.
O AMBIENTE ESTUDANTIL, as entidades juvenis que restaram e os partidos que passaram a atuar livremente depois da redemocratização do país foram incapazes de seduzir as gerações que sucederam àquelas sacrificadas ou brutalizadas pela ditadura de 64. Quem se encarregou de fazê-lo foi a sociedade de consumo com todas as suas formidáveis invenções.
Os jovens só se animaram a sair às ruas para derrubar Collor e eleger Lula.
AS REDES SOCIAIS começaram a funcionar como seu ponto de encontro e sua tribuna. O manifesto eletrônico tomou o lugar dos antigos abaixo-assinados.
Nunca se produziu tanto manifesto como nos últimos dez anos. Basta colar ali o nome previamente digitado e sair para a balada. Ainda é assim.
Talvez ainda seja assim por muito tempo. Talvez esteja deixando de ser assim. É cedo para saber.
E, no entanto...
NO PERÍODO de apenas uma semana, alguns milhares de jovens marcharam pelas ruas de uma dezena de cidades protestando contra o aumento das passagens de ônibus, os milionários gastos públicos com a Copa do Mundo e o Estatuto do Nascituro. O epicentro dos protestos foi a capital de São Paulo.
Ali, esta noite promete novos confrontos entre o novo e o velho, o aprendiz e o sabe-tudo.
POUCO IMPORTA que os jovens disparem suas exigências em todas as direções sem priorizar nenhuma, que careçam de líderes com os quais se possa dialogar e que acolham em seu meio uma minoria de baderneiros e de vândalos. Desde quando foi diferente no passado? Somente a experiência ensina.
E não há porque imaginar que os jovens de hoje não aprenderão.
POR MAIS LEGÍTIMO que seja, o poder existe para ser contestado. Senão for pode virar tirania. A natureza do poder é conservadora. A natureza da rebeldia é destrutiva. O progresso social e humanístico é filho do confronto entre a rebeldia e o poder.
AQUELES OBRIGADOS a conviver com a ditadura eram chamados pelas autoridades de subversivos, comunistas e, mais tarde, terroristas. Assim também eram apresentados pela imprensa em geral.
Enfrentavam a repressão com paus e pedras e derrubavam cavalarianos com bolas de gude. Até dezembro de 1968 apenas apanhavam e eram presos por pouco tempo. Dali para a frente passaram a ser torturados e mortos.
MUITOS ERAM "filhos órfãos de pais vivos - quem sabe... Mortos, talvez... Órfãos do talvez e do quem sabe". Ou "viúvas de maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez", como denunciou o cearense Alencar Furtado, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, em discurso que lhe custou o mandato, cassado em junho de 1977 pelo presidente-general Ernesto Geisel.
UM OBJETIVO unificava as diversas tendências e organizações que atraíam os jovens: a luta pela liberdade.
Quando a ditadura tirou a máscara e exibiu sua carranca medonha, os jovens se dividiram entre duas formas de combatê-la: pela via legal do prudente exercício cotidiano da política e pela via armada. Quando a ditadura chegou ao fim, os que ainda eram jovens foram terminar seus estudos e cuidar da vida.
O AMBIENTE ESTUDANTIL, as entidades juvenis que restaram e os partidos que passaram a atuar livremente depois da redemocratização do país foram incapazes de seduzir as gerações que sucederam àquelas sacrificadas ou brutalizadas pela ditadura de 64. Quem se encarregou de fazê-lo foi a sociedade de consumo com todas as suas formidáveis invenções.
Os jovens só se animaram a sair às ruas para derrubar Collor e eleger Lula.
AS REDES SOCIAIS começaram a funcionar como seu ponto de encontro e sua tribuna. O manifesto eletrônico tomou o lugar dos antigos abaixo-assinados.
Nunca se produziu tanto manifesto como nos últimos dez anos. Basta colar ali o nome previamente digitado e sair para a balada. Ainda é assim.
Talvez ainda seja assim por muito tempo. Talvez esteja deixando de ser assim. É cedo para saber.
E, no entanto...
NO PERÍODO de apenas uma semana, alguns milhares de jovens marcharam pelas ruas de uma dezena de cidades protestando contra o aumento das passagens de ônibus, os milionários gastos públicos com a Copa do Mundo e o Estatuto do Nascituro. O epicentro dos protestos foi a capital de São Paulo.
Ali, esta noite promete novos confrontos entre o novo e o velho, o aprendiz e o sabe-tudo.
POUCO IMPORTA que os jovens disparem suas exigências em todas as direções sem priorizar nenhuma, que careçam de líderes com os quais se possa dialogar e que acolham em seu meio uma minoria de baderneiros e de vândalos. Desde quando foi diferente no passado? Somente a experiência ensina.
E não há porque imaginar que os jovens de hoje não aprenderão.
POR MAIS LEGÍTIMO que seja, o poder existe para ser contestado. Senão for pode virar tirania. A natureza do poder é conservadora. A natureza da rebeldia é destrutiva. O progresso social e humanístico é filho do confronto entre a rebeldia e o poder.
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