ZERO HORA - 02/06
Estreou semana passada o filme francês A Datilógrafa, que ainda não vi e possivelmente não verei em função do meu pouco tempo livre. Minha patroa anda cada vez mais ocupada, e quem segura o rojão sou eu, claro.
Mas seria ótimo assistir a um filme onde, finalmente, sou protagonista. Pelo que ouvi dizer, a história se passa em 1958, quando as mulheres estavam começando a colocar as manguinhas de fora. Uma garota de 21 anos recebe de presente uma máquina de escrever e resolve aventurar-se no excitante mercado de trabalho, esforçando-se para ser uma boa secretária, que era a atividade adequada às moças daquela época.
Depois o filme parece que vira uma competição, e daí por diante não sei mais nada, mas o resumo inicial me fez lembrar de quando ganhei, aos 13 anos, uma Olivetti Lettera 32. Tirei-a do estojo com o maior cuidado e suspirei: estava ali o passaporte para a profissão que eu sempre havia sonhado exercer.
Fiz um curso de datilografia e passei a praticar todo dia. Comecei a escrever poemas só para exercitar os dedos no teclado, eu que até então me atrevera apenas aos diários escritos à mão. Vinha um verso, vinha outro, e eu ali, treinando, fazendo de conta que era poeta, até que tivesse idade suficiente para virar a secretária que eu desejava ser.
Num acesso de loucura, acabei mandando uns poemas para uma editora e, pra encurtar a história, publicaram um livro meu. Já trabalhava como redatora publicitária nessa época, porque tinha que ganhar algum dinheiro, mas lembro que, quando faltava uma secretária na agência, eu me oferecia para ficar no lugar dela. E tive meu dia de telefonista também.
O tempo passou e lancei outro livro, e mais outro, e depois da poesia veio a crônica, abandonei a propaganda, fui apresentada ao computador, comecei a escrever para vários jornais, meus textos passaram a ser adaptados para o teatro, iniciei na ficção e aí aconteceu: virei secretária de mim mesma.
Hoje, realizada, passo 80% do dia atendendo ligações, respondendo toneladas de e-mails, avaliando contratos, agendando entrevistas, negociando prazos de entrega, indo ao cartório para reconhecer firma, ao correio para remeter livros, ao súper para fazer as compras da casa, negociando cachês com revistas, trocando mensagens com a contadora, marcando sessões de fotos, providenciando vouchers de hotéis e passagens aéreas para os compromissos fora do Estado, autorizando publicações de textos em livros didáticos, avaliando novas propostas de trabalho e me desculpando em nome da minha patroa por ela não conseguir atender todos os pedidos de leitura de blogs.
Não sei o que seria dela se não contasse comigo para esse serviço de secretariado, se bem que hoje a madame abusou: me botou para escrever sua coluna. Espero que não acostume, só me falta ter que assumir os seus 20% restantes de tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário