segunda-feira, maio 13, 2013

Prezado senador - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

É possível que muitos leitores de Veja, pelo que se pode concluir da correspondência que mandam regularmente para a revista, gostassem de enviar ao senador Renan Calheiros a carta escrita abaixo. Tristemente, não têm meios para isso. Poderiam até escrever algo muito parecido, mas jamais receberiam resposta alguma; também não dispõem de uma página ti


na imprensa para tornar público o que gostariam de dizer eles a voz que não podem expressar.

Exmo. Sr.

José Renan Vasconcelos Calheiros

Presidente do Senado Federal. Brasília. DF

Prezado senador,

V. Exa., como presidente do Senado Federal, é talvez o único político num posto desse nível, em todo o mundo, que recebeu da população de seu próprio país um documento assinado por 1.6 milhão de cidadãos pedindo que renuncie ao cargo que ocupa no momento. Mais raro ainda, já seria a segunda vez no curto espaço de seis anos, que teria de passar pela mesma desventura: na primeira, em 2007, renunciou à presidência do Senado para não ser cassado, perder o mandato e ficar sem os seus direitos políticos por oito anos. No mês de maio daquele ano, a revista Veja revelou que uma empreiteira de obras públicas a construtora Mendes Júnior, pagava 12.000 reais por mês à srta. Mônica Veloso com quem V. Exa. teve uma relação sentimental e uma filha, e da qual havia se separado. Na ocasião, V. Exa. garantiu que o dinheiro era seu e que a empreiteira apenas o repassava à srta. Veloso.

Naturalmente, prezado senador, ninguém entendeu nada: por que raios uma construtora de obras públicas estaria pagando despesas pessoais do presidente do Senado Federal? Seguiu-se como muitos ainda se lembram, uma série de investigações que o foram levando, como se dizia antigamente de Anãs para Caifás - ou seja, do ruim para o pior. Ao fim, V. Exa. viu-se atolado por acusações de ter emissoras de rádio em nome de laranjas, emitir notas frias atestando a venda de bois imaginários, favorecer, em troca de remuneração, uma cervejaria em Alagoas etc. Recebeu seis denúncias formais no Senado, e teve de renunciar à presidência, no fim de 2007, para escapar à cassação do seu mandato, num acordo de cavalheiros com seus colegas de casa. Hoje está de volta ao cargo que teve de abandonar no desespero.

Mas o objetivo desta carta não é falar do passado - o que V. Exa. fez já está feito, e não pode mais ser desfeito. O seu futuro, porém, depende exclusivamente do senhor mesmo. Se tomar determinadas decisões, apagará tudo o que ficou para trás e trocará por uma biografia brilhante o que hoje é uma folha corrida. Se continuar na toada de sempre, acabará a vida apenas como Renan Calheiros. O caminho para ganhar a redenção é simples - mas como diz o provérbio chinês todas as grandes obras que existem sob o céu começam com coisas simples. Bastaria que V. Exa. com o plenário lotado e se possível, em rede nacional de televisão, fizesse um discurso mais ou menos assim: "Jamais, enquanto eu for presidente deste Senado, assinarei o projeto de lei aprovado em abril na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados autorizando o Congresso, na prática, a derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal. Depois que deixar meu posto atual, lutarei todos os dias da minha vida contra esse projeto e qualquer coisa parecida com ele. Isso não é um discurso. É o anúncio de um fato que vai acontecer". No dia seguinte V. Exa. se verá promovido nos meios de comunicação e na opinião pública a herói da democracia.

Isso não vai lhe custar prejuízo nenhum nos seus interesses pessoais. O tal projeto é apenas uma aberração vinda do PT - prevê, por exemplo, que, se o Congresso discordar de uma decisão constitucional do STF poderá convocar um "plebiscito" para resolver a parada, que serão necessários os votos de nove ministros num total de onze para julgar que uma lei é inconstitucional ou que caberá ao Congresso aceitar ou não votos do tribunal que obrigam todos os juízes a obedecer a sua orientação. V. Exa. ficará com a glória de ter matado a cobra antes que ela pudesse morder. Poderia fazer exatamente o mesmo discurso quanto às tentativas de submeter a mídia a "controles sociais" e a outros truques destinados a recriar a censura. Já pensou? V. Exa. seria transformado automaticamente e a custo zero, no grande campeão da liberdade de imprensa no Brasil. Poderia, enfim, liderar qualquer causa em prol da decência. Oportunidades para isso como se vê, não faltam.

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