ESTADÃO - 13/05
Quem são os maiores inimigos do capitalismo? Se o leitor pensou nos comunistas, está enganado. Pode parecer paradoxal, mas a resposta correta é: os capitalistas. Pelo menos essa é a opinião - que endosso integralmente - dos respeitados economistas Raghuram G. Rajan e Luigi Zingales, que, em 2003, escreveram o primoroso livro Saving capitalism from the capitalists (Salvando o capitalismo dos capitalistas, na tradução, em 2004, para o português).
Os retumbantes fracassos das experiências históricas de substituição da economia de mercado pela propriedade estatal dos meios de produção acabaram de vez com a possibilidade de proliferação do comunismo no mundo contemporâneo. Tal regime se restringe, hoje, aos Estados totalitários de Cuba e da Coreia do Norte.
Mas, como mostram Rajan e Zingales, a verdadeira ameaça ao livre mercado está no poder político adquirido por grandes corporações que influenciam as decisões governamentais para seu próprio benefício. Os capitalistas são ardorosos defensores da livre concorrência e da abertura dos mercados enquanto ainda não se estabeleceram. Uma vez dentro do jogo, são ávidos por políticas protecionistas, barreiras à entrada de concorrentes, juros subsidiados e muitos outros favores concedidos à custa da população em geral.
Apesar de seus muitos defeitos, a economia de mercado, que só pode operar com sucesso em regimes democráticos, é talvez a instituição econômica mais salutar que a humanidade concebeu. Mercados verdadeiramente competitivos beneficiam o consumidor em termos de qualidade e menores preços dos bens e serviços. Além disso, favorecem o empreendedorismo, desde que o país seja dotado de sistema financeiro eficiente que, por meio do crédito, transforme novas ideias em empresas inovadoras e produtivas.
No entanto, a crença nos mercados perfeitos, com a mão invisível sempre propiciando o máximo bem-estar econômico, também é utópica. A economia de mercado não pode prescindir da mão visível do governo. Para evitar subinvestimento, os recursos públicos podem e devem apoiar atividades nas quais o sistema de preços, em virtude das chamadas falhas de mercado, não conduz à alocação eficiente de recursos. Estamos falando de atividades tais como educação básica, pesquisa e desenvolvimento científico, transportes coletivos urbanos, saúde, especialmente a preventiva, saneamento básico, entre outras. Nessas áreas, há nítidos benefícios sociais cujo valor econômico não é possível de ser incorporado aos preços de mercado para remunerar o investidor.
Mas não é só para sanar as falhas de mercado que o governo precisa atuar. Os mercados não podem vicejar sem que o poder público fortaleça as instituições que garantam o seu funcionamento livre e seguro. É preciso uma legislação clara que defina o direito de propriedade e o respeito absoluto aos contratos, Poder Judiciário probo e eficiente e agências reguladoras independentes e atuantes, para impedir principalmente abusos em atividades econômicas caracterizadas por monopólios ou oligopólios naturais (energia, telecomunicações, aviação civil, entre outras).
Além disso, quanto mais se evitar que o controle dos meios de produção se concentre em poucas mãos e assegurar que os que os controlam o façam com respeito ao interesse dos cidadãos (regulação adequada, leis de defesa da concorrência e órgãos que assegurem o seu cumprimento) e quanto maior for o grau de abertura da economia para o exterior, menor será o risco de o poder econômico dominar também o poder político.
Ademais, e acima de tudo, é preciso impedir que interesses privados organizados controlem as decisões governamentais em detrimento do interesse público. Quando o governo interfere demasiadamente na economia, mantém sob sua responsabilidade atividades que podem ser mais bem desempenhadas pelo setor privado e distribui de forma arbitrária privilégios e benefícios com recursos dos contribuintes, o resultado é a criação, no seio do setor público, do balcão de negócios. É o capitalismo de Estado, que, no limite, destruirá o livre mercado e privará a sociedade de todos os benefícios que o mesmo poderia propiciar.
Mas como a atual política econômica brasileira se posiciona em relação a esses princípios que estamos enunciando? Parece claro que a ação governamental caminha em sentido oposto a tudo o que defendemos aqui e isso suscita preocupações.
O grau de intervenção do governo na economia chega a ser assustador. Controlam-se de forma arbitrária os preços dos combustíveis e da energia elétrica, sem nenhuma preocupação com a saúde financeira das empresas que exploram tais atividades. Impõem-se exigências de conteúdo nacional mínimo para fornecedores de plataformas e equipamentos para exploração de petróleo e gás, pouco importando se a indústria brasileira está capacitada ou não para atender à demanda em condições adequadas de qualidade, preço e prazo de entrega. Desonerações tributárias são concedidas ou retiradas na medida em que os estoques aumentam ou diminuem em determinados setores de atividade, especialmente bens duráveis como veículos e eletrodomésticos. Ou pior: tais desonerações são utilizadas equivocadamente como política anti-inflacionária, como argumentei em meu último artigo neste espaço.
Na mesma linha, o governo vem diminuindo o grau de abertura da economia, com medidas protecionistas que acabam prejudicando a própria indústria nacional, pois dificultam seu acesso a bens de capital e a matérias-primas importadas de melhor qualidade e custo mais baixo.
Hoje é difícil encontrar um setor importante da atividade econômica do País que não tenha recebido alguma intervenção arbitrária do governo ou que não tem sido ameaçado de vir a recebê-la. Os exemplos mais contundentes são petróleo, energia elétrica, mineração e setor financeiro. Como esperar a retomada do investimento nesse ambiente de tamanha incerteza?
Enfim, o capitalismo brasileiro precisa aprender a respeitar a economia de livre mercado.
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