A leitura de Schopenhauer é sempre uma boa ajuda para quem pretende adentrar no terreno da retórica, para encarar a batalha das ideias através do exercício da controvérsia. Entre as suas máximas imperdíveis, em "Como vencer um debate sem precisar ter razão", ele prega a tática de recorrer a um discurso incompreensível, para "desconcertar e aturdir o adversário com um caudal de palavras sem sentido".
Algo assim ocorreu no Brasil durante anos com o debate sobre o tema dos juros. Criticar o setor financeiro não é exclusividade brasileira, e as raízes dessa crítica envolvem muitas vezes um forte conteúdo moral. Basta lembrar as palavras de Lutero em "Os senhores da Igreja": "Quem extrai, rouba e furta o alimento de outro é realmente um homicida, como quem mata uma pessoa de fome ou a arruína por completo. É o que faz o usurário. Entretanto, senta-se tranquilamente em sua poltrona quando, com justiça, deveria estar suspenso na forca e ser devorado por tantos corvos quanto fossem os florins por ele roubados, supondo que tenha carne suficiente para que tamanha multidão de corvos pudesse perfurá-lo e reparti-lo entre si... Não há sobre a Terra maior inimigo do ser humano, depois do demônio, do que um avarento sugador de dinheiro... Um usurário, obcecado por seu dinheiro, deseja que todo mundo pereça de fome e sede, miséria e necessidade." E essas palavras foram escritas em 1524! Vale a menção apenas para lembrar que a crítica aos juros não é monopólio nosso.
A ideia de que os juros são apropriados exclusivamente pelos bancos, porém, deixa de considerar o fato de que, no que se refere ao grosso dos ativos financeiros do país, eles são apenas intermediários entre o governo que vende títulos e o cidadão que constituiu uma certa poupança ao longo da vida. É inquestionável que os juros dos primeiros 15 anos da estabilização foram muito elevados e que a prevalência de taxas de juros naqueles níveis até o começo do governo Dilma era uma anomalia que era preciso atacar. Ao mesmo tempo, porém, é preciso considerar que, se o Brasil tem um sistema financeiro relativamente desenvolvido, é porque no país existe a confiança de que o dinheiro deixado no banco renderá algo em termos reais, premiando o ato de poupança e evitando que o cidadão busque outras formas de fazer render o seu dinheiro. O contraste entre essa realidade de país estável - construída ao longo de anos - e as estripulias adotadas em outros países da América Latina - um paradigma mundial de intervencionismo - explicam por que aqui poupa-se para ter uma renda segura na aposentadoria e faz-se isso em R$, enquanto em outros países o sistema de seguridade social está em frangalhos, a aposentadoria complementar acabou nas mãos do governo, e o mecanismo tradicional da poupança é o dólar.
É verdade que os juros desabaram nos últimos anos no mundo inteiro, e portanto o nosso Banco Central (BC) teria que ser parte desse movimento, sob riscos de atrair o que a presidente Dilma qualificou de uma "tsunami monetária" de capital especulativo para o país, mas é preciso atentar para dois fatos. O primeiro é que, com Selic de 7,5%, uma aplicação que renda 95 % do CDI (normal para o tipo de aplicação da classe média) gera um retorno mensal nominal de 0,57 %. Se a isso aplicarmos uma alíquota de Imposto de Renda de 20% - incidente sobre aplicações de 6 a 12 meses -, teremos um rendimento anual de 5,6%, próximo do que se espera que seja a inflação este ano. O juro real, nesse caso, é zero - com risco de ser negativo.
O segundo fato a ressaltar é que a inflação no Brasil cedeu em 2012, mas caiu também em boa parte do mundo. Nossa inflação não apenas é maior que a dos EUA ou da Alemanha, mas ultrapassa a do Chile, da Colômbia, do México, do Peru, da Coreia, da China e da Rússia, para citar só alguns casos.
Hugo Moyano, o secretário-geral da CGT argentina em 2010, disse naquele ano em um programa de rádio que "un poquito de inflación no es malo para un país". Foi com base em atitudes desse tipo que a Argentina e a Venezuela tornaram-se líderes mundiais em matéria de inflação. Nós temos que evitar isso. É razoável que o BC tenha reduzido os juros em 2012, mas, com a inflação pressionada, é preciso entender que eles precisam aumentar.
Algo assim ocorreu no Brasil durante anos com o debate sobre o tema dos juros. Criticar o setor financeiro não é exclusividade brasileira, e as raízes dessa crítica envolvem muitas vezes um forte conteúdo moral. Basta lembrar as palavras de Lutero em "Os senhores da Igreja": "Quem extrai, rouba e furta o alimento de outro é realmente um homicida, como quem mata uma pessoa de fome ou a arruína por completo. É o que faz o usurário. Entretanto, senta-se tranquilamente em sua poltrona quando, com justiça, deveria estar suspenso na forca e ser devorado por tantos corvos quanto fossem os florins por ele roubados, supondo que tenha carne suficiente para que tamanha multidão de corvos pudesse perfurá-lo e reparti-lo entre si... Não há sobre a Terra maior inimigo do ser humano, depois do demônio, do que um avarento sugador de dinheiro... Um usurário, obcecado por seu dinheiro, deseja que todo mundo pereça de fome e sede, miséria e necessidade." E essas palavras foram escritas em 1524! Vale a menção apenas para lembrar que a crítica aos juros não é monopólio nosso.
A ideia de que os juros são apropriados exclusivamente pelos bancos, porém, deixa de considerar o fato de que, no que se refere ao grosso dos ativos financeiros do país, eles são apenas intermediários entre o governo que vende títulos e o cidadão que constituiu uma certa poupança ao longo da vida. É inquestionável que os juros dos primeiros 15 anos da estabilização foram muito elevados e que a prevalência de taxas de juros naqueles níveis até o começo do governo Dilma era uma anomalia que era preciso atacar. Ao mesmo tempo, porém, é preciso considerar que, se o Brasil tem um sistema financeiro relativamente desenvolvido, é porque no país existe a confiança de que o dinheiro deixado no banco renderá algo em termos reais, premiando o ato de poupança e evitando que o cidadão busque outras formas de fazer render o seu dinheiro. O contraste entre essa realidade de país estável - construída ao longo de anos - e as estripulias adotadas em outros países da América Latina - um paradigma mundial de intervencionismo - explicam por que aqui poupa-se para ter uma renda segura na aposentadoria e faz-se isso em R$, enquanto em outros países o sistema de seguridade social está em frangalhos, a aposentadoria complementar acabou nas mãos do governo, e o mecanismo tradicional da poupança é o dólar.
É verdade que os juros desabaram nos últimos anos no mundo inteiro, e portanto o nosso Banco Central (BC) teria que ser parte desse movimento, sob riscos de atrair o que a presidente Dilma qualificou de uma "tsunami monetária" de capital especulativo para o país, mas é preciso atentar para dois fatos. O primeiro é que, com Selic de 7,5%, uma aplicação que renda 95 % do CDI (normal para o tipo de aplicação da classe média) gera um retorno mensal nominal de 0,57 %. Se a isso aplicarmos uma alíquota de Imposto de Renda de 20% - incidente sobre aplicações de 6 a 12 meses -, teremos um rendimento anual de 5,6%, próximo do que se espera que seja a inflação este ano. O juro real, nesse caso, é zero - com risco de ser negativo.
O segundo fato a ressaltar é que a inflação no Brasil cedeu em 2012, mas caiu também em boa parte do mundo. Nossa inflação não apenas é maior que a dos EUA ou da Alemanha, mas ultrapassa a do Chile, da Colômbia, do México, do Peru, da Coreia, da China e da Rússia, para citar só alguns casos.
Hugo Moyano, o secretário-geral da CGT argentina em 2010, disse naquele ano em um programa de rádio que "un poquito de inflación no es malo para un país". Foi com base em atitudes desse tipo que a Argentina e a Venezuela tornaram-se líderes mundiais em matéria de inflação. Nós temos que evitar isso. É razoável que o BC tenha reduzido os juros em 2012, mas, com a inflação pressionada, é preciso entender que eles precisam aumentar.
Um comentário:
O aumento de juros da taxa SELIC não necessariamente diminui a inflação.
Os juros cobrados do consumidor já são exorbitantes e quase desconectados ou, pelo menos, mais desconectados da taxa SELIC do que o é o capital especulativo.
Assim sendo, um aumento da taxa SELIC atrai mais capital especulativo - o que atrai dinheiro estrangeiro, joga mais dinheiro no mercado, direta ou indiretamente, e consequentemente aumenta o consumo que por sua vez aumenta a inflação do que retrai a demanda por consumo da população e com isso diminui a pressão inflacionária.
Além disso, e não menos importante, deve ser a análise dos efeitos adversos que uma alta de juros causa a população e ao crescimento do país. O assunto é muito complexo - mas que não é a solução - não é!
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