FOLHA DE SP - 15/05
Fiz um curso para aprender a produzir cerveja em casa; a primeira leva deve chegar junto de Olívia, em junho
Acabo de receber o e-mail da "Sinnatrah Cervejaria-Escola" e tremo de felicidade: agora mesmo, enquanto derramo sobre o teclado estas maltraçadas linhas, aguarda-me num pequeno galpão em Perdizes o tão desejado kit; dois panelões de alumínio, um moedor de cereais, uma serpentina resfriadora, um termômetro, um galão de plástico, um afixador de tampinhas e outras quinquilharias que, daqui em diante, me permitirão produzir e beber minha própria cerveja -se isso não for a mais perfeita tradução de "sustentabilidade", não sei o que poderia ser.
Sábado passado, fiz o curso. Um dia inteiro no qual eu e uns outros 15 empolgados neófitos ajudamos o professor a preparar 20 litros de uma "American Pale Ale" -desde a moagem da cevada, passando pelo cozimento, adição do lúpulo, até a armazenagem no galão fermentador. Agora mesmo, enquanto derramo sobre o teclado estas maltraçadas linhas, nosso mosto está lá, repousando no pequeno galpão em Perdizes, aguardando que as leveduras, essas belas criaturas de Deus, levem a cabo sua nobre missão: transformar o açúcar do malte em álcool e CO2.
O mais legal de produzir cerveja em casa é que, ao contrário do vinho, do ketchup ou dos cortes de cabelo "homemade" -iniciativas louváveis, certamente, mas de resultados sempre discutíveis-, a versão amadora desta simples mistura de água, malte, lúpulo e levedura, se preparada no capricho, fica melhor do que as opções disponíveis no mercado. Pelo menos, no nosso mercado, em que, tirando as ousadias de algumas bravas microcervejarias, o que vemos são diversos rótulos oferecendo as mesmas idênticas e insossas bebidas.
Embora o "homebrewing" tenha existido desde sempre, a moda explodiu mesmo a partir dos anos 70, nos EUA, quando o presidente Jimmy Carter derrubou um resquício da Lei Seca que proibia os americanos de se aventurarem em suas cozinhas pelo fascinante mundo da cevada. Dali pra frente, muitos se profissionalizaram e hoje há por lá 15 mil microcervejarias criando receitas próprias, reavivando estilos europeus esquecidos havia séculos e levando a adição de lúpulo a níveis deliciosamente intoleráveis.
O lúpulo é uma trepadeira cuja flor dá o amargor e parte do aroma à cerveja. Com qualidades antibióticas, ajuda também a preservar a bebida. Daí que, para proteger as cervejas destinadas às colônias, aonde chegavam após longas viagens de navio, os ingleses as preparassem com mais álcool e mais lúpulo. Assim nasceu a Indian Pale Ale (mais conhecida como IPA), estilo bem amargo e preferido de nove entre dez cervejeiros caseiros.
Não fujo à regra: minha receita inaugural será uma IPA. Se tudo der certo, a primeira leva virá à luz no fim de junho, ao mesmo tempo em que outra produção, na qual minha mulher vem trabalhando com afinco há oito meses, der o ar de sua graça. Agora mesmo, enquanto derramo sobre o teclado estas maltraçadas linhas, Olívia recebe os últimos retoques e ganha peso, no conforto de uma barriga rotunda e bela, aguardando a hora de lançar ao mundo o seu brado retumbante. Será recebida com amor, carinho e 20 litros da "Olívia IPA". Peço aos amigos que tragam charutos, fraldas -e venham de táxi.
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