O GLOBO - 02/05
Hoje eu queria escrever uma crônica bem levinha, que deixasse todo mundo de bom humor, mas está difícil. Passei as últimas horas às voltas com o Imposto de Renda, e tive o desgosto de constatar que um terço do que ganho vai para o governo. Como todo mundo, eu também já sabia disso, mas uma coisa é encontrar descontos mensais no contracheque, e outra, bem diferente, é ver ali, na tela, o total que mando para Brasília. Claro que aí não estão incluídos outros impostos, como o ISS ou o famigerado ICMS, que levam boa parte do que gasto. A sorte é que não sou boa de matemática e não sei calcular quanto isso dá por ano, ou corria o risco de ficar seriamente deprimida ao descobrir que, na minha conta, entra menos da metade do que recebo.
O que me consola é saber que este dinheiro todo será empregado de forma séria e judiciosa, garantindo aos brasileiros bons serviços, boa educação e um sistema de saúde próximo da perfeição, conforme constatou o ex-presidente Lula (antes de ir se tratar num hospital particular, mas isso são outros quinhentos). Fico reconfortada em saber que estou contribuindo para que se paguem salários de R$ 15 mil para os cidadãos que servem cafezinho no Congresso, o que é sinal de que somos um país rico e poderoso: assim mostramos à península escandinava do que somos capazes. Toma, Noruega!
Também me aquece a alma pensar na vida dos nossos parlamentares, que tanto se esforçam para que o Brasil se transforme numa Democracia bolivariana. Quando eu morava em Brasília, me explicaram que é muito importante que os homens públicos tenham excelentes salários para que não caiam na tentação de se corromperem. Foi bom ter aprendido isso, caso contrário eu poderia fazer mau juízo deles.
Já pagar a aposentadoria da Roseana Sarney não chega a ser uma alegria, mas reconheço que ela fez por merecer. Afinal, trabalhou seis anos inteiros no Congresso, naquele ambiente que é, notoriamente, o lugar mais podre do país.
Uma vez fui assaltada a mão armada. Estava num táxi com a Mamãe e a Laura, e caímos num arrastão. Um marginal tão marginal que poderia interpretar marginais no cinema levou as nossas bolsas, enquanto seus comparsas limpavam os cidadãos e os carros vizinhos. A sensação de impotência foi horrível: o que se pode fazer diante de uma arma?
Pois apesar de estar em casa, em suposta segurança, a sensação que tive ao preencher a declaração de imposto de renda foi pior. O assalto é um ato completo em si mesmo. Ele não depende de nós e, com alguma sorte, não se repete. Não vemos o destino do nosso dinheiro e, com o tempo, esquecemos o que nos levaram. Preencher a declaração de imposto de renda, porém, é uma violência que praticamos contra nós mesmos, como se fossemos simultaneamente assaltante e assaltado: apontamos a arma para as nossas próprias cabeças indignadas e fazemos a limpa. Não temos outra opção. Temos que juntar uma papelada seiscentista e perder um tempo precioso, informando ao governo quanto ele pode levar: “Olhaí, seu ladrão, nessa bolsa tem duzentas pratas, ticket de refeição, um talão de cheques, dois cartões de crédito, óculos Rayban...” Com a agravante de que, se não praticarmos o assalto muito bem assaltado, ainda corremos risco de levar multa e sermos ainda mais depenados.
A violência não acaba aí. Ao longo do ano, somos constantemente provocados pelas autoridades federais, estaduais e municipais, que tratam o nosso dinheiro como papel higiênico usado. É superfaturamento de obra, ministério inútil, hotel de luxo em Roma, merenda escolar que vai para o lixo, aparelho hospitalar que apodrece sem sair da embalagem, auxílio moradia com dez anos de retroatividade para juízes sem teto, demolição de equipamentos esportivos recém-construídos — a lista não acaba nunca e desafia a imaginação mais pervertida.
Antes que alguém me acuse de ser uma burguesa elitista que só pensa nos próprios caraminguás, esclareço (é preciso?) que não sou contra o imposto de renda em si, assim como não sou contra o condomínio ou contra as mensalidades do clube. Quem vive em sociedade deve participar do rachuncho. Apenas me sinto otária — muito otária! — em pagar impostos suecos por serviços dignos do Afeganistão.
Nosso alcaide teve uma ideia de gênio: juntar a OSB com a Orquestra da Petrobras para formar uma única grande orquestra, bem representativa do Rio de Janeiro. Tenho uma ideia melhor: por que não juntar todos os times de futebol da cidade para fazer um único timão bem grandão e verdadeiramente representativo do Rio? Seria muito mais econômico e teria uma torcida muito maior.
Pois é. Ainda por cima, somos obrigados a ouvir uma besteira dessas em plena entrega do Imposto de Renda.
Finalmente: vocês sabiam que, em São Paulo, é proibido entrar com livro nos estádios de futebol?
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