Presente em Roma na recente escolha do papa argentino Francisco, a presidente Dilma Rousseff, questionada a respeito de como se sentia por um repórter daquele país, respondeu com uma frase que todos nós ouvimos desde a infância: "Mas Deus é brasileiro".
Descontado o que possa haver de ufanismo nessa crença, ela se justifica ao compararmos determinadas características: somos um país continente, sem conflitos internos ou com os vizinhos, dotado de vastas riquezas naturais, entre as quais agora se incorpora o petróleo do pré-sal.
Após ter crescido a taxas extraordinárias entre os anos de 1930 e 1970, a economia brasileira conviveu nas últimas décadas do século passado com a mescla de crescimento medíocre com inflação alta, espectro que volta a nos assombrar, apesar do avanço obtido entre 1994 e 2008, com a ascensão de uma nova classe média.
Nesse período em que surfamos na maré favorável da expansão mundial e da globalização, logramos incluir milhões de pessoas nos mercados de trabalho e de consumo, o que nos valeu o reconhecimento internacional e o destaque de figurar no acrônimo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reconhecido como o grupo dos principais países emergentes da atualidade.
Mesmo ao eclodir a crise financeira que dos EUA se alastrou pela Europa, parecia que não seríamos afetados. Ao contrário, diante do aumento de liquidez provocado pela baixa dos juros internacionais, podíamos ter atraído investimentos massivos para o setor produtivo da nossa economia. Não foi, infelizmente, o que ocorreu. Para aqui só vieram os capitais ávidos pelo ganho financeiro fácil e imediato. Com o pibinho registrado no ano passado e a inflação estourando metas, a nossa imagem, outra vez, corre risco perante o mundo.
Assim, convém examinar qual é o poderoso ímã que nos puxa de volta ao passado, bem no momento em que o futuro estava, finalmente, ao nosso alcance. A primeira constatação é a de que na queda de braço entre inflação e crescimento temos empregado um único instrumento para tentar o equilíbrio, qual seja, a política monetária. Os juros variam como gangorra; após uma queda razoável, já apontam novamente para cima.
Isso ocorre porque, desde a primeira tentativa de estabilização da moeda, com o Plano Cruzado, em 1986, temos deixado de pôr em prática uma política fiscal que desobstrua nosso principal entrave: um Estado viciado em gastos públicos inúteis e desperdícios constantes, pesado demais para que a economia o suporte. Por essa razão principal, nunca passou de alguns meses a trégua proporcionada pelos planos anteriores ao Real e mesmo esse não conseguiu, até agora, superar a indexação que mantém a inflação latente.
A esse instável cenário interno, soma-se de maneira preocupante o retorno ainda pífio de nossa inserção internacional. Tome-se, por exemplo, a situação claudicante do Mercosul - palco de crises geradas por episódios como a suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela, sem falar na delicada situação interna da Argentina - e compare-se com os resultados entre países integrantes de outra aliança na América Latina. Cada um com sua agenda doméstica de reformas e melhoria dos gastos públicos, México, Colômbia, Peru e Chile estão fazendo acordos de livre comércio e todos deverão crescer mais do que 5% neste ano. São inúmeros os sinais de vitalidade dessas economias e de entusiasmo das empresas que lá investem.
O fato é que temos perdido competitividade no plano internacional. A maior demanda por bens de consumo, resultado do crédito farto e da redistribuição interna da renda, deveria ter estimulado nossa produção, sobretudo a industrial. Em vez disso, porém, o que ocorreu foi o aumento puro e simples das importações e a deterioração de nossas contas externas.
Para desatar esse nó só existe um caminho, o de remover os obstáculos para os negócios, que são os mesmos desde sempre: excessiva burocracia para abrir e fechar empresas ou conseguir registros de propriedade e licenças; má distribuição do crédito e dificuldades para obtê-lo; deficiências na infraestrutura de transportes e armazenagem; falta de garantias para os contratos e de proteção aos investidores. Também é crucial a simplificação do sistema de impostos, com a correspondente redução da pesada carga tributária, que hoje transfere para os governos, nos três níveis, quase 40% da renda nacional. Dessa forma, se abriria espaço para a utilização da política fiscal como complemento e alternativa para a política monetária.
Em resumo, não podemos continuar deitados em berço esplêndido, embalados apenas pela confiança de que Deus é brasileiro. Até porque Ele pode se cansar de nós e adotar outra nacionalidade.
Descontado o que possa haver de ufanismo nessa crença, ela se justifica ao compararmos determinadas características: somos um país continente, sem conflitos internos ou com os vizinhos, dotado de vastas riquezas naturais, entre as quais agora se incorpora o petróleo do pré-sal.
Após ter crescido a taxas extraordinárias entre os anos de 1930 e 1970, a economia brasileira conviveu nas últimas décadas do século passado com a mescla de crescimento medíocre com inflação alta, espectro que volta a nos assombrar, apesar do avanço obtido entre 1994 e 2008, com a ascensão de uma nova classe média.
Nesse período em que surfamos na maré favorável da expansão mundial e da globalização, logramos incluir milhões de pessoas nos mercados de trabalho e de consumo, o que nos valeu o reconhecimento internacional e o destaque de figurar no acrônimo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reconhecido como o grupo dos principais países emergentes da atualidade.
Mesmo ao eclodir a crise financeira que dos EUA se alastrou pela Europa, parecia que não seríamos afetados. Ao contrário, diante do aumento de liquidez provocado pela baixa dos juros internacionais, podíamos ter atraído investimentos massivos para o setor produtivo da nossa economia. Não foi, infelizmente, o que ocorreu. Para aqui só vieram os capitais ávidos pelo ganho financeiro fácil e imediato. Com o pibinho registrado no ano passado e a inflação estourando metas, a nossa imagem, outra vez, corre risco perante o mundo.
Assim, convém examinar qual é o poderoso ímã que nos puxa de volta ao passado, bem no momento em que o futuro estava, finalmente, ao nosso alcance. A primeira constatação é a de que na queda de braço entre inflação e crescimento temos empregado um único instrumento para tentar o equilíbrio, qual seja, a política monetária. Os juros variam como gangorra; após uma queda razoável, já apontam novamente para cima.
Isso ocorre porque, desde a primeira tentativa de estabilização da moeda, com o Plano Cruzado, em 1986, temos deixado de pôr em prática uma política fiscal que desobstrua nosso principal entrave: um Estado viciado em gastos públicos inúteis e desperdícios constantes, pesado demais para que a economia o suporte. Por essa razão principal, nunca passou de alguns meses a trégua proporcionada pelos planos anteriores ao Real e mesmo esse não conseguiu, até agora, superar a indexação que mantém a inflação latente.
A esse instável cenário interno, soma-se de maneira preocupante o retorno ainda pífio de nossa inserção internacional. Tome-se, por exemplo, a situação claudicante do Mercosul - palco de crises geradas por episódios como a suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela, sem falar na delicada situação interna da Argentina - e compare-se com os resultados entre países integrantes de outra aliança na América Latina. Cada um com sua agenda doméstica de reformas e melhoria dos gastos públicos, México, Colômbia, Peru e Chile estão fazendo acordos de livre comércio e todos deverão crescer mais do que 5% neste ano. São inúmeros os sinais de vitalidade dessas economias e de entusiasmo das empresas que lá investem.
O fato é que temos perdido competitividade no plano internacional. A maior demanda por bens de consumo, resultado do crédito farto e da redistribuição interna da renda, deveria ter estimulado nossa produção, sobretudo a industrial. Em vez disso, porém, o que ocorreu foi o aumento puro e simples das importações e a deterioração de nossas contas externas.
Para desatar esse nó só existe um caminho, o de remover os obstáculos para os negócios, que são os mesmos desde sempre: excessiva burocracia para abrir e fechar empresas ou conseguir registros de propriedade e licenças; má distribuição do crédito e dificuldades para obtê-lo; deficiências na infraestrutura de transportes e armazenagem; falta de garantias para os contratos e de proteção aos investidores. Também é crucial a simplificação do sistema de impostos, com a correspondente redução da pesada carga tributária, que hoje transfere para os governos, nos três níveis, quase 40% da renda nacional. Dessa forma, se abriria espaço para a utilização da política fiscal como complemento e alternativa para a política monetária.
Em resumo, não podemos continuar deitados em berço esplêndido, embalados apenas pela confiança de que Deus é brasileiro. Até porque Ele pode se cansar de nós e adotar outra nacionalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário