Juros reais próximos de zero, metas fiscais flutuantes, desvalorização cambial induzida e expansão da oferta de crédito público foram os diques abertos simultaneamente pelo governo que levaram a economia a sancionar os aumentos de preços - numa indicação de que ele não estava disposto a ceder em nada para conter a inflação.
O Banco Central, ajudado pela cobrança da sociedade, começou a aumentar os juros. Ele sabe que o IPCA vai cair nos próximos três meses, mas começa a subir novamente a partir de agosto, embora de forma mais moderada do que no segundo semestre do ano passado. De maio a julho a inflação mensal cai, mas não a acumulada em doze meses. Daí em diante, a esperança é de que o IPCA de doze meses comece a ceder e encerre o exercício na casa dos 5,7%. Sem a ajuda da tarifa de energia, da isenção de impostos da cesta básica e outras intervenções oficiais, porém, a inflação rondaria 8%.
Os primeiros dados de maio sustentam a expectativa do BC. O IPCA-15 foi de 0,46% e o índice de difusão veio mais razoável - caiu de 74% em março para 61% agora. A queda dos preços dos alimentos no atacado, porém, está demorando a chegar ao varejo. O BC suspeita que isso decorra do encarecimento do frete.
Há, nessa composição, portanto, um grave problema de logística que remete às crônicas deficiências da economia pelo lado da oferta, principalmente de infraestrutura. Nos últimos dez anos as concessões na área de logística foram vacilantes. Resultaram num modelo frágil e na ausência de cumprimento dos compromissos assumidos nos contratos. Esse é o caso de várias rodovias que foram passadas para a iniciativa privada entre 2008 e 2009.
Para recuperar o longo tempo perdido, este governo tentou correr com uma nova rodada de concessões. Mas o cronograma original já está comprometido. O objetivo era licitar todos os trechos de rodovias até abril. Não conseguiu licitar nenhum. As regras dos editais já foram alteradas duas vezes para tentar atrair investidores. No caso das rodovias, eles não concordavam com a limitação da taxa de retorno e com o volume de obras que deveriam ser entregues nos primeiros cinco anos. O governo fez mudanças, mas estas pouco agradaram.
É intrigante constatar que os investidores e a imprensa internacional estão mais interessados, hoje, no México do que no Brasil. Lá o sistema político não é plural, a distribuição da renda é ruim e a economia é fortemente dependente da americana. E não há uma carteira de bons projetos para investimentos como há no Brasil. Provavelmente, o México atrai os olhares e os interesses mais pelos defeitos do Brasil do que por seus próprios méritos. Por que?
"Temos um governo que apenas tolera o mercado e, ao contrário do que sugeria Adam Smith, não usa o mercado como instrumento de governo", comentou um empresário, arriscando uma resposta. Esse mesmo interlocutor, que acompanha atentamente o desenrolar das concessões, conta que assistiu por 12 horas as discussões sobre a Medida Provisória dos Portos, na semana passada, no Congresso Nacional. "Como aprovada, a MP vai na direção correta, mas tal como ocorreu com o setor elétrico, o governo não cuidou bem da transição entre o velho e o novo modelo. Os que entrarem agora nas concessões dos portos terão mais vantagens do que os que já estão lá".
Mais importante do que concessões de subsídios - que podem ser retirados a qualquer momento - o que leva o setor privado a investir é a confiança nas regras vigentes e na expectativa de bons resultados. Para isso, é importante que o sistema de preços funcione.
Em um encontro de empresários em São Paulo, ontem, discutiu-se custos de produção da indústria. Dados apresentados na conversa apontaram que nos últimos seis anos os custos para a indústria teriam aumentado 1% nos Estados Unidos, 18% na Coreia e 65% no Brasil, dentre outros, contou um dos presentes. Mesmo com toda a desoneração de impostos, esse quadro não mudou. "A desoneração é uma gota nesse oceano", disse.
Um dos motivos do salto nos custos da indústria doméstica teria sido o aumento do salário real, nesse período, sem qualquer correspondência no aumento da produtividade. Com um mundo que produz mais barato do que aqui, a demanda da economia brasileira está vazando para o exterior.
Há indícios de que no mercado de trabalho - que até agora não sentiu os tropeços da atividade - a situação também pode estar mudando. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego teve um ligeiro aumento, de 5,7% em março para 5,8% em abril. Houve um elevado número de demissões e de contratações. Isso pode significar que os empregados estão tomando a iniciativa de trocar de emprego para melhorar os salários. Mas é mais provável que seja o contrário: um sinal de que as empresas estão demitindo os salários altos e contratando a um preço menor.
Nesse quadro, o destino da taxa Selic no curto prazo ganha ainda maior relevância. Na próxima semana o Comitê de Política Monetária (Copom) deve aumentar os juros, mesmo ciente de que a inflação reflete a escassez de oferta. O mercado se divide nas apostas de uma alta de 0,25% ou 0,50%.
A combinação simultânea de políticas fiscal, monetária e de crédito expansionistas, mais a desvalorização forçada da moeda no ano passado, como citado, geraram um ambiente de pressão inflacionária e não produziram crescimento econômico. O mesmo empenho que levou o governo do PT a promover a legítima distribuição da renda deveria ser aplicado, agora, na melhoria da eficiência da economia, com ganhos de produtividade e de competitividade. Sem isso, o futuro dificilmente será melhor do que o passado.
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