O Brasil tem ocupado, nos últimos anos, posição de destaque internacional inédita em nossa história. Houve até quem ficasse tentado a acreditar que o vaticínio de Stefan Zweig - Brasil, país do futuro - teria finalmente se concretizado. Mas o decepcionante desempenho recente, sobretudo o pífio crescimento dos últimos dois anos, suscita a dúvida de que, ainda longe de alcançarmos as economias desenvolvidas e mesmo algumas economias emergentes mais dinâmicas, estejamos já perdendo terreno. A ameaça é que, nas próximas décadas, em vez de vislumbrarmos um futuro cada vez melhor, possamos ter saudades dos anos recentes.
Na economia, o diagnóstico parece bem claro. O efeito das diversas reformas empreendidas, dos anos 90 até meados da década passada, parece ter esgotado seu potencial de elevar a produtividade. Junto com uma mudança demográfica que reduziu a expansão da força de trabalho, o crescimento econômico emperrou. A sensação ainda é boa, mercê do aquecimento do mercado de trabalho e dos programas de distribuição de renda, mas as perspectivas estão longe de ser brilhantes.
As atividades produtivas intensivas na produção de commodities, sobretudo na agricultura e na mineração, vão bem. O próprio setor de serviços, o maior de todos, vai relativamente bem. Mas a indústria vai mal: nem sequer voltou a atingir o nível de produção anterior à crise de 2008.
Entre 2003 e 2010, o crescimento do PIB, superior a 4% ao ano, beneficiou-se do uso mais intenso do fator trabalho. Enquanto o desemprego despencava de 12,3% para 6,7%, a PEA (força de trabalho) expandia-se a 1,6% ao ano. O pleno emprego atingido desde então vem causando sérios problemas para a indústria e para a inflação. O mecanismo é simples. O mercado de trabalho aquecido eleva os salários. O setor de serviços, protegido da concorrência externa, repassa o custo salarial mais elevado aos preços, o que eleva a inflação. Dado que, ressalvadas suas especificidades, os diversos setores produtivos competem pelo mesmo conjunto de trabalhadores, os salários mais altos pressionam os custos da indústria. Não podendo repassar o aumento de custos aos preços devido à concorrência externa, a indústria enfrenta queda de competitividade e reduz investimentos.
Frente a tal realidade, o governo vem reagindo de afogadilho. Os créditos subsidiados do BNDES, o aumento de proteção contra a competição externa e as desonerações tributárias, distribuídos de forma discricionária e pouco transparente, geram distorções nocivas ao crescimento. Falta estratégia coerente de longo prazo. E a incerteza gerada vem refreando os "animal spirits" que o governo quer incentivar.
Os gargalos da nossa precária infraestrutura perduram por anos a fio. Aparentemente paralisado por preconceitos ideológicos, o governo demorou anos para voltar a incentivar a participação privada. As medidas recentemente tomadas, ainda que representem avanço em relação à estagnação anterior, mostram-se aquém do que se precisa e se poderia obter.
Mas é na seara fiscal que reside a principal ameaça de longo prazo. É importante, sempre, recordar que conseguimos debelar a hiperinflação há menos de 20 anos. E, para isso, foi necessário empreender um enorme e demorado esforço de contenção fiscal. Sem as renegociações das dívidas estaduais e o fechamento do ralo fiscal representado pelos bancos estaduais, o Plano Real não teria sido bem sucedido.
O que vemos hoje é um contínuo abandono das boas práticas fiscais. Apesar da substancial queda da taxa Selic, os gastos com juros não foram significativamente reduzidos, devido ao grande aumento da dívida pública bruta. Os gastos de custeio continuam a se elevar bem acima do crescimento do PIB e as desonerações prejudicam a receita. Tal quadro já estancou a queda da dívida líquida, que ameaça voltar a crescer, mesmo com todas as manobras de contabilidade criativa que estão dilapidando a credibilidade das estatísticas fiscais. E ainda falta ter em conta problemas de longo-prazo, como o déficit da previdência, que, se o crescimento continuar medíocre, aumentará inexoravelmente na ausência de reformas.
No front externo, continuamos recebendo vultosos fluxos de capitais estrangeiros. Mas o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos já ultrapassa os 3% do PIB. Isto deveria acender o alerta amarelo, sobretudo levando-se em conta a baixa taxa de investimento do país. Ou seja, tanto a inflação quanto o déficit em conta-corrente evidenciam que não há falta de demanda na economia. Não obstante, o governo persiste no diagnóstico que deve fazer política anticíclica, como se mais gastos públicos fossem resolver os problemas que claramente se situam do lado da oferta. Sem que voltemos a enfrentar os graves problemas que restringem o aumento de produtividade da economia brasileira, os remendos colocados pelas políticas atuais não lograrão reconduzir a economia ao tão almejado crescimento sustentado.
Em resumo, a fotografia da economia brasileira ainda é bonita. Mas, assistindo-se ao filme, conclui-se que, sem significativas mudanças no roteiro e na direção, ele se encaminha para um desfecho melancólico.
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