O GLOBO - 28/05
A excessiva pulverização de prefeituras, a partir da redemocratização, teve de ser contida por razões de bom senso. O Congresso ameaça voltar atrás
Na desgastada vida parlamentar brasileira costuma ocorrer de tudo — ou quase. Presidente da Câmara já perdeu o cargo por receber um “mensalinho” de concessionário de restaurante na Casa, garçom ganha mais que engenheiro e médico, e por aí segue. Mas não é sempre que se tenta restabelecer algo que indiscutivelmente não deu qualquer contribuição positiva para a coletividade.
Pois é o que busca um grupo de deputados reunidos em torno de um projeto de lei complementar (PLC 2008/416), de autoria de José Augusto Maia (PTB-PE), destinado a ressuscitar a “indústria” de criação de municípios, responsável, logo no início do processo de redemocratização, pelo surgimento de um grande número de prefeituras incapazes de sobreviver sem a ajuda de repasses estaduais e federais.
Em outras palavras, vivem custeadas pelo contribuinte de impostos estaduais e federais. Quando esta linha de produção de municípios inviáveis começou a operar a plena carga, com a Constituição de 1988, havia 4.180 prefeituras. O esquema foi contido em 2000, porém já havia cerca de 1.400 municípios a mais — hoje ultrapassam 5.500, e a grande maioria vive dos repasses. A “indústria” só perdeu ímpeto porque emenda constitucional tirou o poder de as assembleias legislativas deliberarem sobre o tema. É o que o projeto de lei complementar quer ressuscitar. Com o evidente objetivo de tornar a permitir que caciques da política regional voltem a liberar plebiscitos sobre a emancipação de distritos e povoados, sem a interveniência do Congresso. São inúmeras as evidências de que quase nunca o surgimento de nova prefeitura significou melhorias para população.
O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, criado pela Federação das Indústrias fluminenses, foi aplicado em 50 municípios criados entre 2001 e 2010. Juntos, abriram 31 mil empregos públicos, e, em cinco anos, receberam R$ 1,3 bilhão em repasses da Federação. Mesmo assim, na maioria destas cidades, os indicadores sociais não melhoraram. O levantamento aponta algumas distorções causadas pela pulverização municipal: serve, principalmente, para inchar o universo do funcionalismo público e dragar recursos do resto da Federação. Este é mesmo o objetivo dos caciques que se mobilizam para criar novas unidades federativas: ampliar currais eleitorais via empreguismo e buscar verbas para administrar, sabe-se como.
Um problema é que, no Brasil, mesmo pequenas prefeituras reproduzem o arcabouço institucional de estados e da União, com casa legislativa, procuradores, secretarias/ministérios, etc. E poucas vezes a economia local gera renda a ser tributada capaz de financiar este custo. Além disso, nem sempre o prefeito se interessa por cobrar o principal gravame municipal, o IPTU — por demagogia e/ou despreparo. É mais cômodo viver da mesada dos repasses, um ônus para os demais contribuintes. Peso que aumentará se o Congresso fizer voltar o passado.
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