Valor Econômico - 21/05
Durante muitos anos o excelente colégio Dante Alighieri cultivou uma interessante reunião anual, a "Jornada das Profissões", que ocupava a manhã de um sábado. Elas antecediam o momento da escolha das carreiras pelos seus alunos. Participavam alguns professores que expunham as excelências de suas disciplinas na construção de uma vida bem realizada e capaz de proporcionar os meios materiais para poder gozá-la. A professora Ilda Loschiavo honrou-me muitas vezes com convites para tais tertúlias. Punham-nos diante de uma plateia de jovens atentos (menos de 17 anos). Alguns, arguidores excepcionais que se tornavam objeto da atração de todos os expositores para convertê-los à sua própria profissão.
A tarefa para um economista era ingrata. Tinha de competir com as promessas de outras disciplinas sociais que expunham, com extrema competência e elegância uma nova organização social, onde as injustiças do "capitalismo" seriam eliminadas e um homem "novo", basicamente altruísta, se realizaria plenamente. A "escolha" da profissão não era, portanto, um problema de menor importância. A concorrência mais dura era com as ciências exatas (física, química, biologia) e com a matemática, cuja sedução é conhecida.
Ingrata, mas com alguma vantagem. A economia desenvolveu um ar de "ciência" com modelos formalizados matematicamente que eram um atrativo para jovens mais ambiciosos e talentosos. A nossa "conversa" começava defensiva e conservadora: 1º) o homem só realiza plenamente a sua humanidade no exercício de sua atividade natural, o trabalho criativo. É este que estimula da melhor forma possível a explicitação dos diferentes talentos e das habilidades que cada um de nós carrega dentro de si; 2º) cada um de nós será inserido numa estrutura social produtiva historicamente construída quase por seleção natural no sentido de mais liberdade e igualdade; e 3º) mas essa mudança é lenta de forma que a escolha é importante, porque deverá proporcionar-lhe os recursos materiais para uma vida confortável.
Mas como mostrar o interesse do conhecimento da economia para um conjunto de jovens para os quais um mundo encantado aparece "pronto" nas vitrines das lojas e ao qual eles têm acesso graças às rendas de seus pais? Como desencantar esse mundo? Fazendo uma pergunta ingênua: "Vocês sabem como esse lápis que têm à mão foi parar aí?" Ele começou a ser produzido há 20 anos quando alguém plantou uma árvore na Malásia para atender a um pedido de alguém na Alemanha que, "descobriu" que juntando madeira e grafite poderia fazer um conveniente e limpo instrumento de escrita.
Que misteriosas forças se juntaram para que esse lápis fosse produzido? Que agentes e que interesses tiveram de ser mobilizados? A resposta simples, aparentemente ingênua e preliminar do "descobridor" da economia, Adam Smith (1723-1790), é que uma espécie de "mão invisível" (o lucro do plantador da Malásia, do transportador da madeira, do produtor do grafite, do produtor do lápis, da loja que o vendeu) produziu uma "coordenação" no tempo e no espaço dessa longa cadeia de atividade, que transformou uma árvore plantada na Malásia há 20 anos, num pequeno lápis que hoje está aqui nas suas mãos, na Alameda Jaú, em São Paulo!
O motivo de tudo é o "incentivo" apropriado por agentes anônimos. O "mistério" que a economia tenta explicar é como esses incentivos são traduzidos em suas ações práticas de oferta e procura em "mercados" que emergem espontaneamente organizados da interação entre todos eles. Adam Smith mostrou em 1759, na "Teoria dos Sentimentos Morais", e em 1776, na "Riqueza das Nações", que todo esse complexo sistema de relações está apoiado num fato fundamental: a existência da "confiança" entre os agentes. Na relativa certeza de que cada um cumprirá as suas promessas (os seus contratos) porque é do seu interesse. Se a confiança diminuiu os agentes deixam de responder aos estímulos, os mercados se degradam e o nível de atividade se reduz.
Essa lição era tão válida então quanto é hoje. Alguém pode ter qualquer dúvida que a grande depressão dos anos 30 do século passado e a grande recessão de 2008 foram casos absolutamente evidentes dos efeitos mortais da quebra generalizada da "confiança" entre os agentes econômicos?
O Brasil vive hoje uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo. O mesmo ocorre, aliás, com as relações entre o Executivo e sua base no Congresso em atritos de comunicação que não levam a nada. No Congresso toda proposição (que não fira as cláusulas pétreas da Constituição) é aceitável. Ele é o palco de todos os interesses que podem ser publicamente explicitados. A legitimidade da proposta é o Congresso que julga, mas o seu interesse nacional espera-se que seja o poder incumbente quem defina. A arbitragem final é o "veto", que pode ser aceito ou rejeitado.
No Congresso, também, é a "confiança" que permite o seu funcionamento. Ele tem as suas leis: 1º) com relação ao voto não há arrependimento; 2º) ninguém pode pedir "explicação" para o voto do outro; e 3º) a palavra vale: o que é acordado entre o governo por seus representantes e a oposição deve ser respeitado ou haverá uma paralisia crescente do processo legislativo.
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