Pelo jeito, algumas coisas só voltarão a ser o que são quando o carioca acordar na manhã de 22 de agosto de 2016, depois de apagada a tocha olímpica no Maracanã e a cidade tiver zerado a sua trepidante temporada de megaeventos. Até lá, para quem surfa no calendário de alta visibilidade da cidade - Jornada da Juventude, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos -, notícia ruim é tudo aquilo que mancha a imagem deste Rio efervescente.
Sob esta ótica, o estupro de uma estrangeira dentro de uma van em circulação no Rio, além de horripilante, foi indigesto. E acabou revelando, por mero acaso, a face até então oculta dessa modalidade de crime já inserida na vida carioca. Ela apenas não fora detectada pelo radar de proteção aos Grandes Eventos.
A história do horror pelo qual passaram dois jovens turistas estrangeiros na madrugada do sábado de Páscoa, 30 de março, correu o mundo. A americana de 21 anos e seu amigo francês, de 23, haviam embarcado numa van em Copacabana rumo ao bairro boêmio da Lapa, no centro do Rio. No caminho, foram aprisionados dentro do veículo pelo motorista e pelo cobrador, iniciando-se uma sequência de violências que durou quase seis horas.
Com um terceiro cúmplice embarcado no caminho, a van circulou por Niterói, São Gonçalo, novamente Copacabana, Itaboraí. O francês foi algemado, agredido e ameaçado com barra de ferro. A americana foi estuprada por todos. Por fim, se viram largados num ponto de ônibus da Região Metropolitana.
Assistidos por representantes de seus países, passaram por dois hospitais públicos - à jovem foi ministrado um coquetel de drogas contra doenças sexualmente transmissíveis e a chamada "pílula do dia seguinte". Por fim, foi feito o boletim de ocorrência policial.
Decorridas menos de 14 horas, os dois primeiros suspeitos foram capturados e puderam ser apresentados à imprensa pela Delegacia Especial de Atendimento ao Turista. Três dias após o atentado, o terceiro acusado também já estava em mãos da polícia.
Ainda assim, nos gabinetes municipais, o episódio doeu. "Ficamos tristes e decepcionados", disse Alfredo Lopes, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, verbalizando a reação dos mais preocupados com o "dano à imagem". "Pela importância turística do local, nunca se espera um caso desses. Ninguém quer um assalto numa van em Bonsucesso ou no Complexo do Alemão, mas em Copacabana, cartão-postal famoso mundialmente!"
Na verdade, apesar de ser um dos bairros cariocas com maior número de câmeras de segurança, guardas municipais, Batalhões de Policiamento Turístico e UPPs, a "Princesinha do Mar" parece ainda não ser unanimidade no exterior. Em sua página na internet voltada a patrícios em viagem, o Ministério das Relações Exteriores da França recomenda prudência a viajantes com destino ao Rio de Janeiro. "Este aviso vale para todos os bairros e particularmente Copacabana, onde estão concentrados mais de 50% dos casos de assaltos à mão armada com registro policial", informa o Quai d"Orsay. O alerta consta como atualizado até 2 de março - antes, portanto, da violência sofrida pelo jovem francês que acompanhava a americana estuprada.
Para muitos, o terror vivido pelos jovens dentro de uma van que trafegava calmamente pela cidade evocou a barbárie cometida contra um casal de indianos a bordo de um ônibus, em Nova Délhi. Naquele episódio de estupro coletivo, que resultou na morte da mulher atacada com requintes de bestialidade, homens e mulheres indianos foram às ruas. Não por preocupação com a queda de 30% no turismo estrangeiro ao país, decorrente da percepção de violência contra a mulher na Índia, mas por simples impulso de indignação comunitária. Esta indignação, que aliás se espraiou em passeatas de solidariedade mundo afora, evoluiu na Índia para um movimento de tomada de consciência sem precedentes. O julgamento dos seis réus, um dos quais teria se suicidado - ou sido morto - na prisão, está recebendo cobertura cerrada da mídia mundial.
Com o Rio tendo virado grife internacional e o estupro se tornado o crime em evidência, era inevitável que a violência contra os dois jovens em temporada carioca tivesse o impacto que teve no exterior.
Só que uma semana antes, também na madrugada do sábado, foi uma brasileirinha que embarcou na mesma van. Apenas o sentido era inverso - Lapa-Copacabana. Em determinado momento, a jovem de pouco mais de 20 anos percebeu ser a única passageira ainda no veículo e tentou descer. Tarde demais. O motorista e o cobrador eram estupradores. Os mesmos que assaltariam a americana na semana seguinte.
Após ser violentada, a jovem procurou o IML e a delegacia mais próxima. Foi atendida com a indiferença burocrática tantas vezes reservada aos anônimos. A probabilidade de a denúncia que fizera ser investigada de imediato era pouca. Afinal, segundo o Instituto de Segurança Pública, o Estado do Rio registra uma média de 16 casos de estupro por dia.
Quis o acaso que a própria jovem reconheceu seus agressores ao vê-los retratados como os autores do atentado contra a americana. E mais desdobramentos deste fio de meada vão emergindo, com novas denúncias de vítimas que dizem ter sido assaltadas pela mesma gangue.
Cabe, aqui, um registro de louvor à chefe de Polícia Civil do Estado do Rio, delegada Martha Rocha. Informada do atendimento inadequado prestado à brasileira estuprada que buscou assistência numa Delegacia Especial de Atendimento à Mulher e num posto regional da Polícia Técnico-Científica, a xerifa convocou as titulares dos dois departamentos a seu gabinete. Exonerou as duas e ainda emitiu nota com pedido de desculpas à população pelo atendimento falho.
Com este tipo de postura, voltada para quem usa a cidade e lhe dá vida, a travessia até 2016 será mais fácil. Da imagem de cartão-postal do Rio, a natureza já cuidou.
Sob esta ótica, o estupro de uma estrangeira dentro de uma van em circulação no Rio, além de horripilante, foi indigesto. E acabou revelando, por mero acaso, a face até então oculta dessa modalidade de crime já inserida na vida carioca. Ela apenas não fora detectada pelo radar de proteção aos Grandes Eventos.
A história do horror pelo qual passaram dois jovens turistas estrangeiros na madrugada do sábado de Páscoa, 30 de março, correu o mundo. A americana de 21 anos e seu amigo francês, de 23, haviam embarcado numa van em Copacabana rumo ao bairro boêmio da Lapa, no centro do Rio. No caminho, foram aprisionados dentro do veículo pelo motorista e pelo cobrador, iniciando-se uma sequência de violências que durou quase seis horas.
Com um terceiro cúmplice embarcado no caminho, a van circulou por Niterói, São Gonçalo, novamente Copacabana, Itaboraí. O francês foi algemado, agredido e ameaçado com barra de ferro. A americana foi estuprada por todos. Por fim, se viram largados num ponto de ônibus da Região Metropolitana.
Assistidos por representantes de seus países, passaram por dois hospitais públicos - à jovem foi ministrado um coquetel de drogas contra doenças sexualmente transmissíveis e a chamada "pílula do dia seguinte". Por fim, foi feito o boletim de ocorrência policial.
Decorridas menos de 14 horas, os dois primeiros suspeitos foram capturados e puderam ser apresentados à imprensa pela Delegacia Especial de Atendimento ao Turista. Três dias após o atentado, o terceiro acusado também já estava em mãos da polícia.
Ainda assim, nos gabinetes municipais, o episódio doeu. "Ficamos tristes e decepcionados", disse Alfredo Lopes, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, verbalizando a reação dos mais preocupados com o "dano à imagem". "Pela importância turística do local, nunca se espera um caso desses. Ninguém quer um assalto numa van em Bonsucesso ou no Complexo do Alemão, mas em Copacabana, cartão-postal famoso mundialmente!"
Na verdade, apesar de ser um dos bairros cariocas com maior número de câmeras de segurança, guardas municipais, Batalhões de Policiamento Turístico e UPPs, a "Princesinha do Mar" parece ainda não ser unanimidade no exterior. Em sua página na internet voltada a patrícios em viagem, o Ministério das Relações Exteriores da França recomenda prudência a viajantes com destino ao Rio de Janeiro. "Este aviso vale para todos os bairros e particularmente Copacabana, onde estão concentrados mais de 50% dos casos de assaltos à mão armada com registro policial", informa o Quai d"Orsay. O alerta consta como atualizado até 2 de março - antes, portanto, da violência sofrida pelo jovem francês que acompanhava a americana estuprada.
Para muitos, o terror vivido pelos jovens dentro de uma van que trafegava calmamente pela cidade evocou a barbárie cometida contra um casal de indianos a bordo de um ônibus, em Nova Délhi. Naquele episódio de estupro coletivo, que resultou na morte da mulher atacada com requintes de bestialidade, homens e mulheres indianos foram às ruas. Não por preocupação com a queda de 30% no turismo estrangeiro ao país, decorrente da percepção de violência contra a mulher na Índia, mas por simples impulso de indignação comunitária. Esta indignação, que aliás se espraiou em passeatas de solidariedade mundo afora, evoluiu na Índia para um movimento de tomada de consciência sem precedentes. O julgamento dos seis réus, um dos quais teria se suicidado - ou sido morto - na prisão, está recebendo cobertura cerrada da mídia mundial.
Com o Rio tendo virado grife internacional e o estupro se tornado o crime em evidência, era inevitável que a violência contra os dois jovens em temporada carioca tivesse o impacto que teve no exterior.
Só que uma semana antes, também na madrugada do sábado, foi uma brasileirinha que embarcou na mesma van. Apenas o sentido era inverso - Lapa-Copacabana. Em determinado momento, a jovem de pouco mais de 20 anos percebeu ser a única passageira ainda no veículo e tentou descer. Tarde demais. O motorista e o cobrador eram estupradores. Os mesmos que assaltariam a americana na semana seguinte.
Após ser violentada, a jovem procurou o IML e a delegacia mais próxima. Foi atendida com a indiferença burocrática tantas vezes reservada aos anônimos. A probabilidade de a denúncia que fizera ser investigada de imediato era pouca. Afinal, segundo o Instituto de Segurança Pública, o Estado do Rio registra uma média de 16 casos de estupro por dia.
Quis o acaso que a própria jovem reconheceu seus agressores ao vê-los retratados como os autores do atentado contra a americana. E mais desdobramentos deste fio de meada vão emergindo, com novas denúncias de vítimas que dizem ter sido assaltadas pela mesma gangue.
Cabe, aqui, um registro de louvor à chefe de Polícia Civil do Estado do Rio, delegada Martha Rocha. Informada do atendimento inadequado prestado à brasileira estuprada que buscou assistência numa Delegacia Especial de Atendimento à Mulher e num posto regional da Polícia Técnico-Científica, a xerifa convocou as titulares dos dois departamentos a seu gabinete. Exonerou as duas e ainda emitiu nota com pedido de desculpas à população pelo atendimento falho.
Com este tipo de postura, voltada para quem usa a cidade e lhe dá vida, a travessia até 2016 será mais fácil. Da imagem de cartão-postal do Rio, a natureza já cuidou.
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