"Eu não poderia ser modelo", diz o dramaturgo Walcyr Carrasco, 61, enquanto posa para a coluna. "Eles precisam vestir casaco de inverno em pleno verão, fingir felicidade nas fotos. Não sei como aguentam."
É na escrita que o autor afirma se realizar. "Gosto de escrever novela, não tenho problema em fazer uma atrás da outra." Desde 2000, quando estreou na Globo com o sucesso "O Cravo e a Rosa", emendou dez produções -para as 18h, para as 19h e, em 2012, "Gabriela", para as 23h.
Neste mês, a novidade: Carrasco está lançando seu primeiro romance adulto, "Juntos para Sempre", com histórias de amor e de espiritualismo. O anterior misturava ficção e realidade.
"Nunca se leu tanto no Brasil. Até por isso, o livro vai ter preço popular. Mas prefiro não usar o termo filão. Isso implica que estou tentando faturar... Sou uma pessoa muito tranquila, na medida em que eu realmente vivo da televisão. E sou feliz", diz ao repórter Alberto Pereira Jr.
No mês que vem ele chegará, finalmente, ao horário nobre da TV Globo: está escrevendo "Amor à Vida", folhetim que sucederá "Salve Jorge" às 21h. Teve uma breve experiência na faixa em 2002, quando o autor de "Esperança", Benedito Ruy Barbosa, se afastou por problemas de saúde.
Ele diz achar "uma bobagem essa história de clube fechado", em que os mesmos autores (Manoel Carlos, Gilberto Braga, Gloria Perez, Aguinaldo Silva, Silvio de Abreu e, mais recentemente, João Emanuel Carneiro) teriam a preferência de escrever para o horário nobre, dedicando-se quase que exclusivamente a ele. "Autor tem que se exercitar em todos os horários. Depois dessa, já avisei que escreverei uma história para as 18h."
Come um pastel, preparado pela empregada Adriana, grávida de sete meses. Durante a entrevista, consome outros dois quitutes e dois cafés. "Tenho que aproveitar enquanto ela está aqui", diz. Quer iniciar uma dieta. "De só 600 calorias por dia."
Se a narrativa de "Juntos para Sempre", sobre um amor que atravessa séculos e reencarnações, lhe foi "soprada num sonho" durante uma viagem para a África do Sul, a do novo folhetim lhe consome tardes e noites.
"'Amor à Vida' será um novelão clássico, sobre relações familiares e amorosas, ambientada em um hospital paulistano. A família principal é tradicional, cheia de segredos que vão se revelando ao longo dos capítulos."
"Tem o casal gay que quer ter um filho por inseminação e contrata uma barriga de aluguel. Com eles eu não vou brincar. É realmente para mostrar a existência dessa nova família. Não há crítica. É um casal gay estabelecido." Thiago Fragoso, Marcello Anthony e Danielle Winits estarão nesse núcleo da história.
Ele vai mexer também em um tabu de décadas: nas novelas, gays são sempre personagens "do bem". Na trama de Carrasco, o vilão será um homossexual. "O personagem já existia antes do aparecimento do pastor Feliciano", ironiza, referindo-se ao deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara que está sendo alvo de críticas por já ter dado declarações consideradas homofóbicas.
"Estou escrevendo a novela há um ano. Mas, de certa maneira, é um tipo que o Feliciano aprovaria, porque não se expõe. É o gay no armário, casado e com filho." Mateus Solano está no papel.
Já foi atacado no Twitter por causa do personagem. "Não quer dizer que todos os gays sejam maus, quer dizer que esse personagem é mau e é gay. O politicamente correto virou uma obsessão. Sempre vão arranjar um motivo para dizer que tal obra não deveria ir ao ar por esse ou por aquele motivo." Ainda não sabe se vai incluir um beijo gay no folhetim. "No Brasil, qualquer casal gay pode se beijar onde quiser e ninguém pode falar nada. Mas esse direito não é exercido, só em locais específicos. O que se cobra da TV é que ela dê um passo que os próprios homossexuais não deram, que é o de assumir o seu espaço. Essa é a visão da Globo. E eu sou um funcionário."
Bebe um gole de café e continua: "Estou preocupado com a questão do beijo gay. Acho que você pode escrever que talvez possa rolar, mas não é algo que esteja planejado. Não como um grande acontecimento. Se rolar vai ser algo totalmente cotidiano, sem bater nos tambores. Tem que ser visto como algo corriqueiro".
Diz acreditar que o público não é conservador. "Travestis são eleitos no interior do Nordeste para deputado, para vereador, em lugares que nunca imaginaríamos. Tenho a impressão é que há grupos conservadores na sociedade que fazem muito barulho porque dão surra, gritam. Existe uma onda de conservadorismo insuflada por algumas igrejas evangélicas."
Evangélicos também terão espaço em "Amor à Vida". A personagem da humorista Tatá Werneck sofrerá uma transformação: periguete que tenta engravidar de jogadores, ela vai se converter.
"Tive um tio que era pastor presbiteriano. A minha única tia viva, irmã da minha mãe, é evangélica. Existem dois tipos: o mais tradicional, que costuma ser bem bacana, e o de algumas igrejas radicais, que insuflam e pedem dinheiro. São esses que fazem muito barulho e escândalo."
Polêmicas não visam o Ibope, diz. "Vivemos uma contradição. O mercado anunciante está satisfeito. Os jornalistas, não." Mesmo com audiência mais baixa do que as de outras décadas, "a Globo faturou mais em 2012 do que nos outros anos".
"A audiência é um prisma americano de se enxergar o trabalho criativo. Bom é o que faz sucesso. Então, Guimarães Rosa é uma merda. Lygia Fagundes Telles também. São autores excelentes, mas que vendem pouco."
Ficou surpreso ao receber um bônus salarial por "Gabriela", que teve média de 19 pontos. "Estava acostumado com outros números. A imprensa estava em cima, fiquei até um pouco foragido."
Sempre que pode, recebe amigos em sua cobertura em Higienópolis e prepara o jantar. É sushiman certificado. Tem ainda uma casa no Pacaembu, outra na Granja Viana e um apartamento no Rio.
Gabriel Chalita (PMDB-SP) é convidado e amigo. Está às voltas com acusações de irregularidades de quando foi secretário da Educação. "Confio nele. Mas não me envolvo com política. Num passado distante, fui da esquerda radical e vi como minhas opiniões estavam erradas."
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"No Brasil, qualquer casal gay pode se beijar onde quiser e ninguém pode falar nada.
Mas esse direito não é exercido.
O que está se cobrando da TV é que ela dê um passo que os gays não deram, que é o de assumir o seu espaço"
"A audiência é um prisma americano de se enxergar o trabalho criativo. O que é bom é o que faz sucesso. Então, Guimarães Rosa é uma merda. Lygia Fagundes Telles também.
São autores excelentes, mas que vendem pouco"
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