O Estado de S.Paulo - 07/04
Discretíssimo, nosso amigo fazia o impossível para que ninguém se inteirasse de seus gostos mais recônditos, um dos quais, na contramão de seu proverbial bom senso, o levava a chafurdar, todo carnaval, ensandecido, no vale-tudo de algum baile gay, de preferência aqueles onde predominasse o que chamava de "baixa renda". Mas nunca, evidentemente, em São Paulo, onde vivia: repórter da seção de artes de uma revista conspícua, arrepiava-se à simples ideia de que a verdade de suas preferências vazasse um dia para o universo ebuliente de fofocas da redação.
Pode-se portanto imaginar os mil cuidados de que se cercou ao aceitar convite para uma festa à fantasia num apartamento dos Jardins. O fato de não ser carnaval, quando se liberam fantasias, inclusive as propriamente ditas, não lhe facilitava as coisas. Foi preciso arquitetar um esquema em que um motorista de confiança o recolheria na garagem deserta do edifício onde morava, para depositá-lo, sorrateiramente, no subsolo do prédio da festa.
Tudo correu à maravilha até o momento em que, chegado ao destino, ele embarcou no elevador de serviço, empacotado em malha colante verde-limão que, excetuado o rosto e a bem cuidada barba grisalha, lhe envolvia o corpo inteiro, dos pés à cabeça, sobre a qual balouçavam, frenéticas, duas antenas de libélula.
Foi assim vestido que, depois de saltar no piso errado, apertou a campainha e viu surgir diante de si, metido num pijama, o circunspecto e ainda hoje boquiaberto diretor da redação da revista onde ele trabalhava.
***
Era a sua primeira vez na casa da namorada - e lá estava ele à beira da piscina, sob os olhares perquiridores dos pais da moça e uma fartura de cunhados (era a única menina entre cinco marmanjos), todos, a seu ver, dispostos a fazê-lo passar por crudelíssimas provas antes de uma eventual admissão. Habitualmente falante, o constrangimento da situação transformara o frangote num tartamudo bicho do mato, o que alimentava ainda mais seu desconforto. Que assunto posso eu puxar, meu Deus do Céu, se agoniava ele, para não parecer tão pateta aos olhos da família dela?
Antes tivesse ficado a ruminar a questão: a certa altura, de pura aflição, levantou-se e propôs um mergulho coletivo. Uma caída? Uma entrada? Incapazes de optar entre as duas palavras, seus neurônios engendraram uma terceira, feita em parte com pedaços de uma e outra:
- Pessoal - conclamou -, vamos dar uma cag......?
E não é que deu mesmo?
A vontade, choramingou mais tarde, ao me relatar o fim da história (e do namoro, claro), foi de permanecer para sempre sob as águas, nas quais, consumado o desastre, tratou de se precipitar com plúmbea determinação de suicida, única forma de evitar o que o esperava ao retornar à tona.
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Esta quem contou foi o professor e político mineiro José Elias Murad, autor de um livrinho delicioso, Meus alunos, meus colegas e eu, lançado faz quase meio século, há muito desaparecido das livrarias e, lamentavelmente, de minha própria biblioteca. O personagem é um cientista de suas relações, que um dia se embrenhou por experimentos para os quais necessitava de cobaias - sapos, mais exatamente do sexo masculino. Como não era o caso de chapinhar ele mesmo em algum brejo, encarregou um funcionário do laboratório de conseguir os batráquios. Mas como eu vou saber se é macho ou fêmea? - indagou o rapaz. Fácil, explicou o pesquisador: basta cutucar o ventre do sapo - se for macho, ele vai agarrar seu dedo com as patinhas.
Dias depois, está o professor no último banco de um ônibus, quando lá na frente, prestes a descer, o auxiliar o vê - e, eufórico, anuncia:
- Professor, arranjei um macho para o senhor!
E, radiante, ainda especificou, antes de apear:
- Daqueles bem agarradô!
O resto da viagem o cientista houve por bem fazer de pé, andando nervosamente entre os bancos, na tentativa de salvar sua reputação subitamente estilhaçada:
- Eu posso me explicar, gente, não é nada do que vocês estão pensando!
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