sexta-feira, abril 26, 2013

E eu com isso? - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 26/04

Dá-lhe apartheid! A desigualdade funciona como o Fla-Flu da políti­ca: não há chance de diálo­go


Sou tomada, terra em transe, por uma tendência quase ir­resistível de optar pelo ca­minho menos elaborado.

Difícil não chegar à conclusão de que malandro que puxa o gatilho por motivo fútil, que tortura, barbariza e destrói, às vezes irremediavelmente, famí­lias inteiras não seja punido de forma exemplar --independente­mente da idade.

Cada caso é um caso, e o juiz, ou até cortes especiais --por que não?-- po­deriam destrinchar um por um a fim de promover um corte e costu­ra geral, diria até um verdadeiro Se­nac de alfaiataria que adequasse crimes a uma coleção em haute couture de punições.

O que ninguém aguenta mais é ver tamanha impunidade.

Causa uma indignação sem fim, não é mesmo?

Pois é. A coisa chegou a um limite de despudor tamanho, que até a nossa "burritzia" agora deu para propor soluções de via fácil. É o fe­nômeno "cara de pau sem parar".

Vamos responsabilizar menores como se fossem adultos levando em conta apenas o "fait accompli", aquilo que já aconteceu, o que não pode mais ser corrigido. Camarada já deu errado, já virou um alien que não mais irá funcionar em socieda­de, então, o que a gente faz com ele? Espera que ele siga o curso natural, ou seja, que dê com os burros n' água e cometa algum crime horro­roso.

Cumprida essa etapa da tragédia anunciada, tacamos o indivíduo num desses presídios superbem-equipados de câmeras e arame far­pado e com um muro bem alto, do tipo que vem sendo construído co­mo resultado de festejadas licita­ções desde a época Quércia-Fleury, e pronto acabou.

O efeito disso a longo prazo é inó­cuo e vamos continuar a ignorar a juventude como se ela fosse um problema e não uma solução, mas e eu com isso? Não é culpa minha que exista tanta gente sem privilégio, não fui eu que causei tudo isso, eu pago minhas contas e eu com isso?

Só porque me dá vontade de ir mo­rar em Fort Lauderdale, Flórida, toda vez que acontece mais uma desgraça, no que isso me toca?

Na semana passada, infeliz atirou na altura dos olhos da minha tia duas vezes --Pof! Pof!-- explodiu o vi­dro dianteiro do carro dela. Ainda bem que era blindado. Conhecida minha viu o meliante estirado feito um bolo de trança ao lado do ponto de ônibus daí a duas horas. E a mi­nha tia: "Bem-feito, já foi tarde!"

Dá-lhe apartheid! Desigualdade funciona como o Fla-Flu da políti­ca. Não há chance mínima de diálo­go. Alguém questiona por que estamos discutindo maioridade penal?

É mais ou menos a mesma pergunta de sempre: qual é o sentido de falar de aborto no meio de uma eleição presidencial? Ou, por que será que colocaram um pastor evangélico estridentemente con­servador na comissão que estava cuidando de direitos dos gays?

Quem sempre esteve no bem-bom nunca olhou para o outro. No país em que qualquer zé mané é "doutor" e quase ninguém fez dou­torado, quem manda só foi perce­ber a presença de quem obedece quando as azeitonas de chumbo co­meçaram a zunir na orelha.

Quer saber? Já vai tarde é o tapuia que teve estudo, comida, uma cama para dormir e pais para chamar de seus e ainda não se deu conta de que trocar Febem por Fundação Casa ou Casa de Detenção não é solução má­gica. Ou que truculência não é um re­médio melhor do que diálogo.

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