O Estado de S.Paulo - 14/04
1. O Japão surpreendeu o mundo com seu agressivo programa de estímulo monetário, que vai injetar quase US$ 1,5 trilhão em dois anos. Busca sair de vez da deflação, e levar os preços a subirem até 2% ao ano. Busca também consolidar a atual desvalorização do iene, que caiu 25% frente ao dólar e ao euro, entre novembro e o início de abril. A indústria japonesa, que ainda preserva muitas áreas de grande competência, deve elevar suas exportações e puxar algum crescimento, especialmente se os Estados Unidos consolidarem, em 2014, uma expansão da ordem de 3,0% a 3,5%, como acreditamos. Se algumas reformas no mercado interno puderem também avançar, poderemos ver, finalmente, a terceira economia do mundo começar a andar.
2. Os dados de emprego recentes deixaram nervosos vários analistas da economia americana, mesmo tendo-se em conta que os números dos últimos meses foram revisados para melhor. Entendo esse resultado mais como uma flutuação numa tendência de melhora da economia, que deve continuar. Os fatores de expansão ainda estão ativos. Chamo a atenção para a elevação no valor das residências, que vem melhorando a posição patrimonial das famílias. De fato, nos últimos anos as mesmas recapturaram mais de US$ 1,5 trilhão de riqueza perdida no início da crise. Não é de se surpreender que o crédito ao consumo tenha voltado a crescer.
Ao mesmo tempo, o chamado precipício fiscal tem cada dia mais jeito do "bug do milênio" (aquele evento na passagem do século que iria gerar um caos no mundo, parando todos os computadores, o que nunca ocorreu, apesar do medo que gerou). Os cortes automáticos de gastos estão acontecendo, sem o mergulho na recessão previsto por muitos. Em parte, porque segundo fontes que conhecem bem o problema, o corte nas despesas da Defesa não tem afetado muito o setor, isto é, colocado a segurança em risco, tal o desperdício típico de segmentos que recebem por muito tempo dinheiro em excesso (será que isso tem alguma semelhança com gastos do nosso governo?). O ajuste fiscal americano está longe de ser o ideal, mas está avançando sem gerar uma recessão, como se temia.
Continuamos trabalhando com o crescimento do PIB dos EUA da ordem de 3,0% a 3,5% em 2014.
3. Chipre: a solução à crise bancária organizada pela chamada troica (FMI, BCE e União Europeia) foi muito ruim, mesmo que se diga que Chipre não é igual aos outros países que assinaram programas de ajuste. Quatro observações são relevantes: na primeira proposta do plano de resgate havia uma tributação sobre os depósitos até 100 mil. Ora, essa garantia vale para os 17 países da zona do euro e a proposição colocaria dúvidas em toda a região, aumentando a desconfiança. Mesmo essa proposta tendo sido retirada na segunda versão do pacote, fica a desconfiança.
A perda enfrentada por depositantes e investidores também leva a uma incerteza quanto ao futuro de outros locais que têm sistemas bancários muito alavancados, como Malta, Luxemburgo, etc. Todos esses países também se dizem diferentes dos casos onde acabou por haver alguma intervenção.
Em terceiro lugar, a colocação de controles de capital foi inevitável, uma vez que a desconfiança levaria a um generalizado êxodo de capital para outros países. Com isso, parece-me pouco provável que os controles sejam aliviados em prazo curto. Como consequência, temos dois absurdos: controle de capital numa união monetária e, em segundo lugar, um euro que vale menos em Chipre do que no remanescente dos países. O caso da ilha mostra como a Europa ainda tem muito com o que se preocupar.
4. A Eslovênia rapidamente se colocou como uma das novas fontes de dificuldades. Segundo a OCDE, o país está em profunda recessão e enfrenta uma severa crise bancária. O prêmio de risco subiu rapidamente nas últimas semanas. Alguma coisa terá de ser feita com esse pequeno país.
5. A Europa vai ficar para trás? Se nossas expectativas estiverem mais ou menos corretas, os EUA crescerão bem no próximo ano, a China deve sustentar com facilidade uma expansão da ordem de 8,0%, o Japão pode começar a andar, implicando que os três maiores PIBs nacionais do mundo (algo da ordem de US$ 30 trilhões) crescerão mais que neste ano. Quase todos os outros países asiáticos seguirão numa velocidade de crescimento superior a 5,0%, e mesmo na América Latina, Chile, Peru, Colômbia e México terão uma expansão significativa.
Ao mesmo tempo, o melhor cenário da Europa é continuar estagnada, provavelmente por vários anos.
6. Argentina e México: embora este texto tenha como foco a Europa, não posso deixar de fazer duas observações. O desmonte da economia argentina não tem fim e a política econômica é cada vez mais louca. Um colapso cambial pode acontecer, pois como dizia Mario Henrique Simonsen, "a inflação incomoda, mas o câmbio é mortal". As empresas brasileiras estão desistindo de operar na Argentina em grande quantidade. Vale e Deca já anunciaram sua decisão. Petrobrás, JBS e ALL colocaram ativos à venda. Muitas outras estão tentando organizar sua saída, o que não é fácil, por pressão do governo e pela impossibilidade de remeter divisas para o Brasil. Nesta semana, duas empresas me disseram que não vão mais exportar para lá, tão grandes são as dificuldades para obter permissões e receber o dinheiro.
Por outro lado, a imprensa tem tratado a atração exercida pelo México de forma que me incomoda. Em praticamente todas as matérias, fala-se que o México é o novo queridinho do mercado, sugerindo uma coisa de moda e volubilidade. Volto em outro momento para discutir isso com mais cuidado, mas chamo a atenção para quatro coisas: a competitividade do país aumentou muito, inclusive com relação à China; o México investiu em portos no Pacífico e ferrovias que os ligam aos centros industriais no norte do país; o gás natural lá custa pelo menos quatro vezes menos que no Brasil. Finalmente, enquanto formamos 45 mil engenheiros por ano, o México forma 105 mil, tendo uma população que é 60% da brasileira.
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