O Estado de S.Paulo - 29/03
O principal recado que o Banco Central passou ontem por meio do Relatório de Inflação foi o de que, num futuro previsível, desistiu de reconduzir a inflação para o centro da meta.
Desapareceu, de uma vez, até mesmo a expressão, tantas vezes repetida em discursos, entrevistas e documentos anteriores, de que a inflação convergiria para a meta "ainda que de forma não linear".
A inflação vai perigosamente se entrincheirando nas vizinhanças do teto da meta, ou seja, dos 6,5% ao ano. As projeções do próprio Banco Central (veja o gráfico) apontam para uma inflação em 12 meses de 6,5% no final do primeiro trimestre do ano, incluída aí a inflação deste mês de março; e de 6,7% no final do segundo trimestre.
As projeções dos trimestres seguintes vêm algo mais baixas: 6,0%, no final do terceiro trimestre, e 5,7%, no fim de 2013. São números carregados de vontade de que assim sejam do que de convicção estatística. A projeção para o primeiro trimestre provavelmente vai ficar furada já no dia 10 de abril, quando será conhecida a inflação de março. Improvável que uma inflação tão espalhada (alto nível de dispersão), tão resistente e que perfurará o teto dos 6,5% nos dois primeiros trimestres do ano não produza estragos relevantes na expectativa dos mercados e, por si só, não crie forte empuxo em direção a remarcações predatórias de preços.
Não é uma situação que deixa o Banco Central à vontade - ou confortável, para ficar com outra expressão usada por seus dirigentes. Está mais do que claro que é preciso reagir. Mas o Banco Central vacila, provavelmente porque se sente ameaçado pelo discurso enaltecedor de políticas antigas da presidente Dilma, tão traumatizada pelo tamanho dos seus pibinhos que teme colocar em risco a tímida recuperação da atividade econômica.
Ao contrário da presidente, que em Durban (África do Sul) pareceu crer que o combate à inflação compromete o crescimento do PIB, o relatório reafirma que "taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda". Ainda ontem, em entrevista destinada a enfatizar os principais pontos do documento, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, não se sentiu constrangido em voltar a contrariar Dilma, ao dizer que "a inflação baixa e estável é precondição para o crescimento econômico sustentável".
Embora reconheça que a inflação mudou de patamar e que esteja disposto a atacá-la com a alta dos juros, o Banco Central ainda sugere que adotará "cautela". É a senha de que deverá manter os juros básicos no nível atual, de 7,25% ao ano.
Em outras palavras, o Banco Central ainda entende que os juros parados tenham carga magnética suficiente para puxar a inflação para baixo com a ajuda de alguma redução de impostos - como a que foi aplicada sobre a cesta básica.
Do ponto de vista meramente técnico, não deixa de ser posição inconsequente. Se cedo ou tarde a inflação deve ser combatida com redução do volume de dinheiro na economia e se essa terapia leva ao menos seis meses para dar resultado, não é melhor fazer e que tiver de ser feito o quanto antes, e que eventuais erros de mão sejam corrigidos depois?
Nenhum comentário:
Postar um comentário